segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Presidente de Cabo Verde, Pedro Pires (É necessário separar História e ideologia) em entrevista ao Jornal de Angola

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Presidente Pedro Pires
é contra intervenção militar na Guiné-Bissau

O Presidente de Cabo Verde, Pedro Rodrigues Verona Pires, defendeu, em Luanda, uma nova leitura dos factos históricos, porque “a História como ela foi escrita, a mim não me dá satisfação, porque eu acho que não é a concreta, a real, mas uma história ideológica”. Durante a entrevista aos órgãos de informação angolanos, Pedro Pires manifestou-se também contra uma intervenção militar da CPLP na Guiné-Bissau sem o acordo das autoridades legítimas daquele país. Em fim de mandato, o Presidente cabo-verdiano falou também do prisioneiro de Guantánamo que o seu país, a pedido do Presidente Obama, decidiu acolher, e disse que quando concluir o mandato deixa Cabo Verde mais maduro, melhor preparado e respeitado no concerto das nações.

Jornal de Angola – À luz da Constituição de Cabo Verde, o comandante Pedro Pires está praticamente em fim de mandato na Presidência da República. Que país deixa às novas gerações?

Pedro Rodrigues Verona Pires -Estou nesta luta por Cabo Verde e por África há 50 anos. Quando me faz uma pergunta dessas, tenho tendência a ver todo percurso. Não posso fazer um balanço que diga respeito a dez anos, a 20 anos ou aos dois mandatos como Presidente da República. Entendo que Cabo Verde ganhou em todas as dimensões. Ganhou enquanto Estado soberano e enquanto actor político internacional. Cabo Verde goza de prestígio, Cabo Verde é escutado e contribui para as soluções dos problemas sérios no continente africano. Temos um Estado credível, que transmite confiança dentro e fora do país. Para mim, o importante é termos um Estado de direito, um Estado eficaz e um Estado garante do nosso futuro. Cabo Verde tem esse Estado. É o grande ganho de Cabo Verde. Mas, está claro que nós precisamos de aperfeiçoar as instituições do nosso Estado. Na vida não conseguimos nada de uma só vez e o esforço de aperfeiçoamento continua.


JA – E no domínio económico, que obra deixa?

PRVP –No domínio económico, Cabo Verde cresceu muito. Isso verifica-se através dos dados da economia cabo-verdiana. No domínio da educação e da saúde também se fizeram progressos enormes. Ao terminar os dois mandatos, vou deixar um país melhor, mais adulto, melhor equipado, melhor preparado, mas com muitos desafios pela frente, porque o nosso crescimento gera sempre novos desafios. Eu gostava de deixar um país muito mais maduro, mas também estamos a crescer nesse aspecto. 

JA - Pensa escrever as suas memórias ou já as tem escritas?


PRVP–
Confesso que de uma maneira formal ainda não tenho escritas as minhas memórias. Mas estou a trabalhar nisso, tomando notas, tentando rememorar os factos vividos. Depois do fim do mandato, penso começar a escrever as minhas memórias a sério, vou ocupar-me disso. Mas quero qualquer coisa mais que ultrapasse as minhas memórias. Seria as minhas memórias mais as memórias dos meus companheiros de caminhada. É difícil, porque alguns companheiros já não estão entre nós. Isso para mim é uma perda em matéria de informação, em matéria de dados.


JA – E para que serve essa reflexão conjunta?


PRVP-
Temos de fazer uma nova leitura da nossa História. Isso compete aos historiadores, aos intelectuais do país, são eles que devem promover um releitura da história. A História como ela foi escrita a mim não me dá satisfação, porque eu acho que não é a concreta, a real, mas uma história ideológica. Ideológica no seguinte sentido: para dar satisfação ou para justificar actos vários ou medidas várias. Penso que é indispensável, para além da história da luta contemporânea pela independência, escrever sobre as outras lutas. E aí vejo com bastante interesse o que se está a procurar fazer em Angola à volta da rainha Ginga. Eu penso que esta descoberta é interessante. De modo que teremos de fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

JA – Como?

PRVP – Já que nós temos universidades, compete aos universitários fazer investigação histórica no sentido de desencobrir o que ficou encoberto, no sentido de uma outra lógica da visão histórica. Com as ideias todas que tenho, estou a pensar escrever as minhas memórias, que não me satisfazem, e as outras memórias que devemos desencobrir.

JA – O que pensa Cabo Verde sobre uma intervenção militar da CPLP para a estabilização política na Guiné-Bissau?


PRVP–
  Qualquer intervenção militar deve ser decidida pelo órgão legítimo. Eu não sei se o tratado que cria a CPLP permite uma intervenção militar dessa forma. Está claro que a questão da Guiné-Bissau deve ser tratada pela CPLP, pela CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), também pela União Africana e pela ONU. Portanto, há uma rede de organizações e de relações bastante complexa. Sobre a Cimeira da CPLP realizada há dias em Luanda, o que posso dizer quanto à perspectiva de uma saída para a crise, é que estamos a trabalhar. Mas isso só se consegue em diálogo permanente com as autoridades da Guiné-Bissau que foram eleitas pelo povo guineense e que têm por isso legitimidade para negociar a saída da crise. Não está a ser fácil, mas nós pensamos que devemos agir com pragmatismo, com realismo e dar o benefício da dúvida às autoridades políticas guineenses.

JA - Quer dizer que uma intervenção militar da CPLP está fora de hipótese?

PRVP -  É preciso dar o benefício da dúvida às autoridades políticas guineenses, porque quando buscamos saídas militares temos de fazer contas quanto é que isso custa do ponto de vista humano, se vamos aprofundar a crise ou vamos encontrar uma solução para ela. Uma intervenção militar é um terreno extremamente movediço, pelo que é preciso agir com cautela. Eu não diria que já se vê uma pequena luz ao fundo do túnel, mas estou esperançado que podemos lá chegar através de um trabalho sério com os guineenses, com pragmatismo, sempre buscando consensos, sempre buscando da parte deles que estejam de acordo connosco. Porque não se deve fazer uma intervenção militar num país qualquer ignorando a posição das autoridades legítimas. A minha opinião é que se deve discutir isso sempre com as autoridades legítimas. Pensamos que com a Cimeira de Luanda demos um passo, embora não extraordinário, mas avançou-se algo para a solução da crise na Guiné-Bissau. Não posso entrar em pormenores, mas eu acho que se avançou algo. Vamos continuar a acompanhar o processo e nós depositamos muita esperança na presidência angolana.


JA – Como vão as relações económicas entre Angola e Cabo Verde?

PRVP – As nossas relações económicas são boas. Temos, por exemplo, o BAI, que é um banco angolano estabelecido em Cabo Verde, a nossa ligação aérea funciona normalmente. Temos ligações aéreas entre Luanda e Praia e há projectos interessantes com empresas angolanas para Cabo Verde e de Cabo Verde há quadros cabo-verdianos que vieram trabalhar em Angola.

  
JA – Porque Cabo Verde acolheu um preso de Guantánamo?

PRVP - Cabo Verde acolheu um dos prisioneiros de Guantánamo e já tínhamos feito uma coisa semelhante com os bascos da ETA. Em 1984, recebemos em Cabo Verde alguns cidadãos envolvidos na luta no País Basco. Portanto, não é a primeira vez que o fazemos. Mas é preciso sublinhar o seguinte: quando um país atinge a maturidade como Cabo Verde atingiu é obrigado a correr alguns riscos, a enfrentar alguns desafios. Isso foi para nós um gesto sobretudo para com o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que desde o princípio, com o apoio da comunidade internacional, prometeu encerrar a prisão de Guantánamo. Como o processo não tem sido fácil, nós pensamos que devíamos ajudá-lo de alguma forma. Esse é mais um apoio à política do Presidente Obama e dos princípios que ele defende. A comunidade internacional aplaudiu a decisão do encerramento de Guantánamo. Agora, o processo de aplicação não tem sido fácil e o Estado de Cabo Verde procurou, com este passo, dar um pequeno contributo. Não é só Cabo Verde, outros países também já o fizeram.

JA - A União Africana  questionou na Cimeira de Kampala a forma de actuação do Tribunal Penal Internacional (TPI), na sequência do mandato de prisão contra o Presidente Omar El Bachir. Acha que é uma vítima inocente que está ser injustamente acusada?

PRVP– Antes de mais quero dizer que não disponho dos dados para saber se o Presidente do Sudão cometeu os crimes de que é acusado. Para tomar uma posição sobre isso não basta o mandato decidido pelo procurador-geral do Tribunal Penal Internacional. É preciso ter os dados. Entendo que não se pode mandar prender um Chefe de Estado e pedir ao mesmo tempo aos outros Estados que apliquem essa decisão. Porque, se reparar, nós para prendermos qualquer pessoa temos de fundamentar. Em qualquer Estado de Direito é assim que se procede. E é no quadro dos nossos Estados de Direito que pensamos que não é assim que se fazem as coisas, e que é preciso fornecer os dados indispensáveis para se saber se é ou não um criminoso que deve ser perseguido pelo Tribunal Penal Internacional, se é um criminoso que deve ser perseguido pelos tribunais do seu próprio país e pelos tribunais africanos. Eu discordo com a forma como a coisa é feita. Agora, nós, diante dessa decisão da União Africana, devemos cumprir e seguir a União Africana nesta matéria e nesta batalha. Porque entendo que a forma seguida pelo Tribunal Penal Internacional não me satisfaz e não satisfaz a maioria dos Chefes de Estado africanos. É nesse quadro que a União reagiu.

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