terça-feira, 10 de agosto de 2010

UE NA GUINÉ-BISSAU "Sabemos quem deu ordens e ameaçou matar a população"

Bruxelas termina a missão na Guiné-Bissau por "não poder pactuar" com a situação actual

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O primeiro-ministro nomeou para chefe militar o mesmo homem que o ameaçou de morte há dois meses ? os militares

Um Presidente da República assassinado, um chefe de Estado Maior das Forças Armadas assassinado, confrontos armados entre diferentes forças policiais do mesmo país, um golpe militar, tentativas de golpe de Estado, expansão do poder dos cartéis de droga - este é um breve resumo do cenário na Guiné-Bissau desde Julho de 2008, data que marcou o arranque da missão da União Europeia para a reforma do sector de segurança. A turbulência, em especial o golpe militar de 1 de Abril, forçou a UE a terminar a sua missão de apoio para ajudar a reformar as forças de segurança do país. A decisão poderá acabar por servir os interesses de parte dos generais guineenses e dos traficantes de droga, mas o conselheiro político da missão, o português Miguel Girão de Sousa, defende ao i que a situação não deixou outra escolha aos europeus.


A saída da Guiné-Bissau não acaba por legitimar o comportamento das forças armadas e o clima de impunidade?


De maneira nenhuma. A UE não pode pactuar com uma situação que considera ser uma violação da ordem constitucional e do Estado de Direito. Após o golpe militar que teve lugar a 1 de Abril deste ano, a UE foi clara ao informar as autoridades guineenses que para manter o seu apoio seria necessário libertar os militares e civis ilegalmente detidos, apresentar à justiça os responsáveis pelo golpe, repor a ordem constitucional e o Estado de Direito e respeitar as instalações das representações diplomáticas no país. Ora volvidos quase quatro meses nada disto foi feito. Ao invés, o rosto visível deste censurável acto, o major-general António Indjai, foi promovido a tenente-general e nomeado chefe de Estado Maior General das Forças Armadas. Outra opção não restou à UE que não fosse dar por finda a missão.

A nomeação do general António Indjai foi o que decidiu o final da missão. Mas havia condições antes, tendo em conta a turbulência durante a missão?

Não diria que a nomeação do general António Indjai foi o que decidiu o final da missão. Logo após os acontecimentos de 1 de Abril, a UE entendeu que não avançaria com a segunda fase da Reforma do Sector de Segurança se as condições já mencionadas não fossem respeitadas. A Guiné-Bissau viveu nos últimos dois anos momentos dramáticos, em que personalidades políticas e militares perderam a vida. No entanto, o que torna estes acontecimentos de Abril diferentes de outros passados no país é o facto de, à vista de todos, com direito a transmissão via rádio e televisão, se conseguir claramente identificar aqueles que atentaram contra o Estado de Direito. Nas situações anteriores não podemos dizer que haja alguém que se tenha colocado na linha da frente e afirme ser o responsável pelas mortes. Agora sabemos quem deu ordens, quem mandou prender o chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, quem mandou prender o primeiro-ministro ou quem ameaçou matar a população...

O poder político na Guiné-Bissau é apenas nominal? Os militares são quem exerce o poder no país, apesar de não o assumirem formalmente?

A pergunta não tem uma resposta fácil. A história da Guiné-Bissau é pródiga em situações de interferência dos militares na política. A recente tomada de posição do general Indjai para a chefia das Forças Armadas é um bom exemplo. Questionado sobre a escolha para o cargo, o primeiro-ministro respondeu que não era uma situação que todos desejassem, mas que são situações que há que gerir para garantir a paz e a estabilidade. E o Presidente da República afirmou também a este propósito que nem sempre se faz o que se quer, mas o que se pode. O que devemos pensar? O primeiro-ministro propôs para chefe de Estado Maior General das Forças Armadas o homem que o mandou deter dois meses antes e que o ameaçou de morte. O poder militar condiciona indubitavelmente determinadas decisões que deveriam pertencer exclusivamente ao poder político.

Nos últimos dias tem sido apontada a necessidade de uma intervenção militar externa. Em que condições a UE apoiaria essa solução? Intervenção militar de quem?

Fala-se numa Força de Estabilização - porém, sem ninguém querer arriscar que mandato e que composição ela teria. Existem ainda muitas dúvidas sobre qual o verdadeiro formato desta força e é prematuro estar a tomar posição. Não restam dúvidas que o maior problema deste país são as suas Forças Armadas (cerca de 5 mil) e os denominados Combatentes da Liberdade da Pátria (na ordem dos 6 mil), a quem o país nunca deixará de prestar vassalagem. A União Europeia certamente apoiará, financeiramente, uma tal intervenção - desde que a pedido das autoridades legalmente constituídas, sancionado pelas Nações Unidas e desde que considere o seu mandato adequado. Esta Força de Estabilização deverá ter uma forte componente africana e, segundo declarações da Presidência da República, deverá integrar elementos da CPLP [comunidade dos países de língua portuguesa], UA [União Africana] e CEDEAO [comunidade económica dos estados da África ocidental].

Por que razão nos devemos preocupar com o que se passa na Guiné-Bissau? A droga é a maior ameaça?

Sem dúvida que o tráfico de droga constitui hoje uma grave ameaça à soberania dos Estados, não restando dúvidas de que se a Guiné-Bissau se transformar num narco-Estado, Portugal, Espanha e a Europa em geral sofrerão consequências naturais desse facto. A posição geo-estratégica da Guiné-Bissau é outro factor relevante a ter em linha de conta. A ameaça latente de apoio a redes terroristas - se, efectivamente, se transformar num verdadeiro narco-Estado - deve ser tida em conta. A este propósito recorde-se que o islamismo está com um crescimento muito grande na região e a aproximação a países como a Líbia e o Irão (para onde o Presidente da República partiu na semana passada) poderão representar mais um sinal de preocupação. Por fim, os laços que unem Portugal a este povo e a sua forte comunidade no nosso país, mas também Holanda e Inglaterra, devem ser tomadas em conta.

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