Pela primeira vez, uma proposta deste tipo foi recusada. Protegia os militares e políticos envolvidos e foi defendida pelo governo de transição para "reconciliar os guineenses".
"As pessoas estão a ganhar coragem", diz o presidente da Liga dos Direitos Humanos MANUEL ROBERTO |
O “acto de coragem dos deputados” que votaram contra uma proposta de lei de amnistia para os responsáveis do golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 na Guiné-Bissau é de louvar, considerou Luís Vaz Martins, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), que se opunha a essa proposta. Com este voto, esta terça-feira, os deputados, “muitos deles perseguidos” nos meses que se seguiram à acção do Comando Militar, deram provas de "coragem e sentido de Estado", acrescentou.
A proposta foi da iniciativa do executivo de transição que governa o país desde o golpe que derrubou o governo eleito do PAIGC. O líder do Partido da Renovação Social (PRS), cuja bancada votou por unanimidade a favor, explica que a amnistia não abrangia crimes de sangue e visava reconciliar os guineenses.
Para Florentino Mendes Pereira, secretário-geral do PRS, o voto contra "foi uma surpresa" porque a amnistia fora "acordada previamente" e já constava do Pacto Político de Transição, assinado pelo PRS e outros partidos, quando os militares transferiram o poder para um executivo nos dias a seguir ao golpe.
"Não queremos amnistiar os crimes de sangue. Queremos uma amnistia na perspectiva da reconciliação, de acalmar" a situação. A intenção do seu partido é continuar a negociar com as outras forças políticas para voltar a discutir a proposta, disse ao PÚBLICO.
Também em entrevista, o presidente da Liga congratula-se e dá por "encerrado" o tema. "É a primeira vez que, num ambiente de muita pressão, há uma recusa deste tipo", acrescenta.
A iniciativa motivara esta semana uma carta aberta da LGDH à Assembleia a pedir aos deputados para se oporem a uma amnistia, sob pena de esta criar “sentimentos de injustiça” e “perpetuar a impunidade numa sociedade já fortemente marcada por uma longa história de violência”.
Em Março 2008, foi aprovada uma lei de amnistia para crimes políticos e militares desde a independência até 6 de Outubro de 2004, data em que foram assassinados o então chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general Veríssimo Seabra — que, em Setembro de 2003, liderara o golpe de Estado contra Kumba Ialá —, e o seu adjunto tenente-coronel Domingos Barros. O país continuou a viver em ciclos de violência, com assassínios e golpes de Estado.
Nessa altura, o PAIGC também tinha maioria na Assembleia e estava dividido. Como agora, a Liga dos Direitos Humanos contestou a iniciativa. Desta vez, porém, "os deputados, e muitos foram perseguidos, tiveram a coragem de dizer não a uma amnistia". E acrescenta: "No passado, criticámos a inércia dos deputados. Hoje devemos ter a hombridade de dizer que esta Assembleia serviu de forma honrosa o país".
Este voto, acredita Luís Vaz Martins, reflecte a vontade da sociedade de ver os autores de crimes políticos e militares serem responsabilizados e mostra que a Guiné pode vir a “assistir a mudanças profundas”. “É um sinal de que as pessoas estão a ganhar coragem”, considera. "Desta vez, a Assembleia respondeu à altura e dignificou o povo.”
Ausências no hemiciclo
O resultado do voto era imprevisível. Muitos deputados estavam ausentes do hemiciclo e a proposta não alcançou a maioria absoluta de 51 votos num Parlamento de 100 deputados. Dos 72 presentes, 40 votaram a favor e 25 contra. Sete abstiveram-se. O apoio do PRS, segundo maior partido, era garantido e o voto confirmou-o. Os 18 deputados presentes na bancada do antigo partido de Kumba Ialá votaram unanimemente a favor da proposta. Dez deste partido não estavam presentes. O restante apoio veio de uma parte da bancada dividida do PAIGC, o maior partido.
O secretário-geral do PRS, Florentino Mendes Pereira, atribui o voto por unanimidade à “coerência” dos seus membros. O partido foi um dos que subscreveram o Pacto Político de Transição. Para ele, a decisão servia a causa da reconciliação. Citado pelo site de notícias GBissau.com, questionou: “Se os responsáveis pelos diversos assassinatos andam impunes” na Guiné-Bissau, “por que não perdoar aqueles que, através de uma sublevação, não mataram ninguém?".
Políticos na sombra
Na noite do golpe de Estado de 12 de Abril não houve mortes. Porém, nos dias e meses seguintes, o país mergulhou num clima de medo. Activistas e políticos foram perseguidos, torturados, presos e mortos, denunciaram a Liga dos Direitos Humanos e o próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Nas quatro horas de debate que antecedeu o voto, alguns deputados quiseram saber quem são "os associados" dos autores do golpe referidos na proposta de lei como também podendo ser abrangidos pela amnistia. Foi sugerida a apresentação e identificação de todos os políticos que se associaram aos militares nesta acção.
Os militares que conduziram o golpe — liderados pelo actual chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), general António Indjai — são conhecidos dentro e fora da Guiné-Bissau. Constam de uma lista de visados numa resolução de sanções internacionais impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, que incluem a proibição de viajar. As figuras políticas permanecem na sombra.
Fonte : Publico
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