sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ansumane deixou a Guiné para ser futebolista profissional e sustenta 39 pessoas

O guineense Ansumane deixou o seu país há praticamente quatro anos e rumou a Portugal, para perseguir o sonho de se tornar futebolista profissional e ajudar a humilde e numerosa família, sendo hoje o principal sustento de 39 pessoas.

Ansumane deixou a Guiné para ser futebolista profissional e sustenta 39 pessoas

Sona Fati, mãe de Ansumane, mostra a fotografia do filho quando jogava no Sport Bissau e Benfica, em Bissau

"Não queria nunca deixar a minha família e vir para cá, mas ir atrás do meu sonho [futebolista profissional] e ajudar a minha família é tudo o que eu quero", disse Ansumane à agência Lusa, falando sem complexos das suas origens humildes e das "muitas dificuldades" que enfrentava diariamente.


Segundo o avançado do Freamunde, autor de dois dos quatro golos da equipa frente ao Vila Flor (4-0), na ronda inaugural do estreante Campeonato Nacional de Seniores, "a Guiné tem muito valor" e jogadores com muito talento, "mas falta tudo e mais alguma coisa".
"No meu caso, por exemplo, ia para a escola sem comer, ia treinar sem comer, jogávamos com bolas improvisadas, com o que havia, mas essa é a nossa realidade, é pobreza mesmo, mas por causa dela não podes desistir e tens de lutar", contou.


Ansumane, de 22 anos, começou ainda menino a jogar na rua, mas o seu talento não passou despercebido aos "observadores" e, através de um amigo, foi para o Benfica de Bissau, antes de se mudar para o Sporting local, aos 15 anos, que acabou por ser a porta de saída para um mundo novo em Portugal.


Passou três meses na Academia do Sporting, mas acabou por não ficar (ainda hoje desconhece as razões) e rumou ao Candal, inicialmente para manter a forma. Tinha idade júnior, mas bastou um treino para convencer os responsáveis do clube e rapidamente foi chamado à equipa principal. Seguiram-se Nogueirense, Ribeirão, na última época, e agora o Freamunde.


"A vida obrigou-me a ser adulto antes da hora. Mesmo na Guiné, por causa do meu pai, que era doente, tinha que ajudar e trabalhava muito com o meu irmão, em ferro, carpintaria, o que aparecesse. O meu pai morreu um ano depois de ter vindo para Portugal e a responsabilidade está toda sobre mim", afirmou.


Ansumane deixou na Guiné-Bissau mãe e pai, entretanto falecido, e 13 irmãos, que não vê há quatro anos e de quem mata saudades por telefone ou internet, numa família que foi ganhando novos elementos e que ele, na condição de futebolista amador, faz questão de sustentar.


"São 39 pessoas que estão na minha casa e a quem tenho de dar de comer. Consigo enviar dinheiro todos os meses [em média 200 euros] e tenho obrigação de os ajudar, porque que eles precisam, porque não têm mesmo", confirmou Ansumane.


O guineense diz preferir viver com pouco, apesar de conseguir "desenrascar sempre alguma coisa", para perseguir o sonho de ser profissional e representar um dia a seleção do seu país, prometendo um dia "voltar com orgulho", sem esconder as "muitas saudades" da família e, em especial, da mãe.


Família reza pelo sucesso de Ansumane


A família de Ansumane Fati reza todos os dias para que ele tenha sucesso: o dinheiro que ganha em Portugal serve para comprar a comida que todos têm à mesa na Guiné-Bissau.


"Precisamos de muito apoio dele e é por isso que pedimos a deus para o ajudar na carreira", explica Mussá Seide, 32 anos, um dos irmãos do jogador, à agência Lusa em Bissau.


Na família, salvo um ou outro biscate, ninguém tem um trabalho estável e Ansumane "é o único" que pode os ajudar financeiramente, refere Mussá. Se um dia ele deixasse de receber, "toda a família ia chorar", afirma.


Na casa onde Ansumane viveu, ninguém faz a coisa por menos: esperam que ele consiga ter tanto sucesso como Bruma, jogador luso-guineense do Sporting vendido no final de agosto ao Galatasaray, da Turquia, e que vai ganhar um milhão de euros por ano.


Ser pelo menos tão bom como Bruma, "é o que todos na família esperam", diz Mussá, crente de que este é um pedido razoável, pois nem "sequer" lhe pedem que seja como "o Cristiano Ronaldo ou o Messi".


No anexo onde o atleta do Freamunde morava ainda estão guardadas as faixas de outros clubes por onde passou e que os familiares agora exibem com orgulho, ao mesmo tempo que mostram inúmeras fotografias do jogador.


Mussá já perdeu a conta do número de familiares que beneficiam do dinheiro que Ansumane ganha em Portugal.


"Somos muitos", refere, num português articulado a custo, enquanto aponta para todos quantos o rodeiam à volta do poço, no quintal comum a várias habitações do Bairro Militar de Bissau - onde se vive com menos que o essencial, por entre a terra batida e telhados de chaparia.


Só naquela tarde estão por ali cerca de 30 familiares de todas as idades, homens e mulheres, aos quais o ponta-de-lança não deixa faltar os tradicionais sacos de cinco quilos de arroz - na Guiné-Bissau, um prato cheio não vale de nada se não tiver arroz.


Mãe, irmãos, sobrinhos e outros membros da família dependem de Ansumane, que já não veem há quatro anos. "Tenho muitas saudades do Ansu", diz a mãe, Sona Fati, 48 anos, ao falar do filho como alguém que desde muito novo batalhou para ganhar dinheiro, conseguindo vingar no futebol e assim conquistar a oportunidade de rumar a Portugal.


"Ele joga direito e marca golos", diz a mãe, em crioulo, ao garantir que deu à luz um bom avançado para qualquer plantel.
Ao lado, Mamadu Seide, de 12 anos, sobrinho de Ansumane, não esconde o desejo de um dia seguir as pisadas do tio: o rapaz gosta de futebol e quer ir para Lisboa, porque "o futebol tem dinheiro".


Academia de futebol em Bissau


Adilé Sebastião, de 27 anos, lançou em 2012 uma academia de futebol em Bissau com 25 jovens e hoje diz já ter sete pupilos prontos para rumar a Portugal.


Conheceu Ansumane em solo luso, antes de o jogador rumar ao Freamunde, e aponta-o como um caso ilustrativo daquilo com que muitas famílias sonham num dos países mais pobres do mundo.


"Todos os dias recebo uns dez telefonemas de pais que dizem que os filhos são talentos do futebol", refere. Para nós, pobres, em África ou algures na América Latina, o futebol acaba por ser uma tábua de salvação para os miúdos e para as famílias", sublinha Adilé.


É por isso que, a cada jornada, em casa de Ansumane, em Bissau, a família vive o resultado da equipa com tanto ou mais fervor como qualquer adepto ferrenho do Freamunde.
Lusa

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