sexta-feira, 2 de abril de 2010

Tensão entre militares na Guiné Bissau não visa pôr em causa poder civil

A chefia "de facto" das Forças Armadas da Guiné-Bissau afirmou que os militares do país estão subordinadas ao poder civil e que os acontecimentos desta manhã são situações entre os militares que não visam as instituições da República

"O Estado-Maior General das Forças Armadas faz saber à opinião pública nacional e internacional que o acontecimento do dia 01 de abril de 2010 se trata de um caso meramente militar que em nada afeta o normal funcionamento das instituições da República", diz um comunicado assinado por António Indjai, vice-chefe do Estado Maior, que hoje assumiu a liderança da instituição após a detenção do almirante Zamora Induta.

"De algum tempo a esta parte tem vindo a acontecer um conjunto de problemas que causam sobremaneira constrangimentos à sociedade castrense, nomeadamente a célebre carta do coronel Samba Djaló posta à circular na Internet que dá conta das clivagens internas dentro do PAIGC, implicando altos dignitários do país" refere a nota do Estado Maior distribuído à imprensa em Bissau.

Na opinião dos militares, a carta de Samba Djaló (diretor da contra inteligência militar) "constitui flagrante violação do princípio do apartidarismo" das Forças Armadas.

"Não menos importante verifica-se o uso da instituição militar para fins que lhe são alheios, resultando em conflito positivo de competência entre as Forças Armadas e outras instituições do Estado", diz ainda o comunicado.

"Como se isso não bastasse, ainda se pode acrescentar ao leque dos constrangimentos referenciados, o caso do contra-almirante José Américo Bubo Na Tchuto, que não obstante ter reclamado justiça, o chefe do Estado-Maior General (Zamora Induta) insistiu na sua extradição para o estrangeiro, violando a Constituição da Republica sobre a inadmissibilidade da extradição de cidadãos da Guiné-Bissau", acusa ainda o Estado-Maior.

O comunicado, assinado por António Indjai, pergunta ainda as razões de manutenção de Bubo Na Tchuto "como prisioneiro na sede da ONU durante três meses sem julgamento" e o facto de Zamora Induta ter mantido militares nas imediações do edifício da ONU durante meses.

Esta instituição questiona ainda porque motivo Zamora Induta tem na sua residência "quantidade enorme de armamento", nomeadamente "trinta espingardas AKM e munições".

"Pergunta-se com que propósito o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas possui um depósito de armas na sua residência, com mais de trinta espingardas AKM bem como outras munições?", questionou o comunicado do Estado-Maior. "O Estado-Maior das Forças Armadas reafirma a sua submissão ao poder politico e apela à calma a população", concluiu o comunicado.

O primeiro ministro encontra-se na sua residência em Bissau. Zamora Induta e um grupo de militares superiores mantém-se preso.

Ameaça à estabilidade e confiança internacionais

A intervenção militar desta quinta-feira na Guiné-Bissau é mais um passo na consolidação da instabilidade que há anos assentou no país, um dos mais pobres do mundo e constantemente falado na imprensa pelos piores motivos.

Desta vez a intervenção militar, que resultou na detenção do primeiro ministro Carlos Gomes Júnior e do chefe das Forças Armadas, almirante Zamora Induta, juntou o número dois da hierarquia castrense, o major-general António Indjai e um antigo chefe da Armada, almirante José Américo Bubo Na Tchuto.

A meio da tarde, numa reunião que juntou no quartel general das Forças Armadas o Presidente da República, Malam Bacai Sanhá, o representante do secretário geral da ONU, Joseph Mutaboba, o ministro da Defesa, Aristides Ocante da Silva, e as chefias militares "de facto", saíram duas posições divergentes.

À saída, enquanto Sanhá, Mutaboba e Ocante da Silva acentuaram a necessidade de se apostar na calma, frisando que os acontecimentos desta quinta-feira se traduzem numa "questão interna militar", as chefias militares optaram pela dramatização da situação.

Ameaçaram que disparariam contra a população, caso se mantivessem as concentrações de populares em vários pontos da capital, em defesa de Carlos Gomes Júnior, que se manifestaram contra o que classificaram como mais um "golpe de Estado".



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Em conferência de imprensa, manifestaram ainda a intenção de julgar quer Gomes Júnior quer Induta pelo que consideram serem "crimes contra o povo".

De assinalar que o Presidente Bacai Sanhá, que é constitucionalmente o comandante em chefe das forças armadas guineenses, se deslocou ao quartel general da Amura, para a reunião com Na Tchuto e Indjai.

Enquanto Zamora Induta se mantém preso na base aérea nos arredores de Bissau, mais um grupo de oficiais superiores em número desconhecido, o chefe do Governo encontra-se na sua residência, agora já sem vigilância militar. O local é agora vigiado por dois elementos da Polícia de Intervenção Rápida.

A intervenção militar não provocou até ao momento alterações de ordem política, apenas se cingindo à esfera militar. As próximas horas ou dias serão decisivas para se compreender o alcance da ação desta manhã.

Este episódio de instabilidade ameaça uma vez mais a execução do programa de apoio à reforma das forças de defesa e segurança, totalmente financiado pela comunidade internacional.

As repercussões internacionais dos acontecimentos de hoje em Bissau são variadas, com a França a condenar o que designa de golpe de estado, enquanto o Governo português repudiou "qualquer tentativa de alteração da ordem constitucional".

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), atualmente presidida por Portugal, disponibilizou-se para encontrar uma saída para esta nova crise, "quando perceber quem controla a situação".

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) condenou os acontecimentos e advertiu para as consequências.

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