Declarações de antigo presidente português "estão ultrapassadas". Os dois países "nada ganham com estas discussões".
"O 'se' da União Europeia não passa disso mesmo enquanto o saldo da independência é real e positivo. Os cabo-verdianos estão orgulhosos da sua independência", afirmou ao DN o escritor Germano Almeida, comentando declarações feitas na véspera por Mário Soares.
Numa intervenção num colóquio em Lisboa, o antigo presidente expressou reservas sobre o caminho seguido em 1975 por este arquipélago. "Eu sempre achei que Cabo Verde não deveria ter sido independente" e teria "muito a ganhar" caso tivesse mantido a ligação a Portugal. Notando que Cabo Verde "não é nada do que era em 1975", Germano Almeida relativiza a análise de Soares. "Não é opinião a valorizar nesta matéria."
A ideia de "ficar preso a regalias efémeras, dos subsídios da União Europeia" é sinónimo "de um espírito dependente", considerou Arlinda Santos. Para esta cabo-verdiana envolvida "na luta armada do PAIGC pela independência", como fez questão de afirmar, Soares "voltou a um certo saudosismo, que não entendo. É uma declaração irreconhecível nele".
Soares defendeu ainda a ideia de que "Cabo Verde não é propriamente África" e que "deveria ter sido mais explorada" a relação entre este arquipélago e os Açores, Madeira e Canárias.
Cabo Verde obteve a independência em 1975 sob a égide do PAIGC, partido também no poder na Guiné-Bissau. Em 1980, devido à conjuntura política em Bissau, o arquipélago segue uma via totalmente autónoma e o partido no poder passa a designar-se PAICV.
Houve de facto "resistência" à independência na diáspora a viver nos EUA, admite Jorge Carlos Fonseca, ministro dos negócios estrangeiros (MNE) cabo-verdiano entre 1991 e 1993, e até "bolsas de rejeição localizadas" no arquipélago. Principalmente devido ao "discurso ideológico do PAIGC da época" e à forma do "projecto de unidade com a Guiné-Bissau", diz ex-MNE.
Para Mário Silva, professor e deputado do MpD (oposição ao Governo do PAICV), esta "é uma situação ultrapassada"; Portugal e Cabo Verde "não ganham nada com estas discussões". Até porque os resultados da independência são "incontestáveis". O arquipélago "é o único país de língua oficial portuguesa cuja qualidade de vida melhorou depois da independência". Uma ideia subscrita pelas restantes figuras cabo-verdianas ouvidas pelo DN, entre as quais Cursino Tolentino, embaixador em Lisboa nos anos 80.
Para o actual director interino do Instituto da África Ocidental, "esta é uma declaração que incomoda e não faz sentido". Mas, recorda, no próprio arquipélago em dois momentos da primeira metade do século XX houve movimentos tendentes a uma dissociação de África. "Nos anos 30, houve reivindicações de adesão ao Brasil e mais tarde de ligação a Portugal como província do território continental".
As declarações de Mário Soares tiveram repercussão nos media electrónicos do arquipélago e foram bastantes comentadas na Net.
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