domingo, 18 de abril de 2010

Soares "incomoda" Cabo Verde com frase sobre independência


Declarações de antigo presidente português "estão ultrapassadas". Os dois países "nada ganham com estas discussões".

"O 'se' da União Europeia não passa disso mesmo enquanto o saldo da independência é real e positivo. Os cabo-verdianos estão orgulhosos da sua independência", afirmou ao DN o escritor Germano Almeida, comentando declarações feitas na véspera por Mário Soares.
Numa intervenção num colóquio em Lisboa, o antigo presidente expressou reservas sobre o caminho seguido em 1975 por este arquipélago. "Eu sempre achei que Cabo Verde não deveria ter sido independente" e teria "muito a ganhar" caso tivesse mantido a ligação a Portugal. Notando que Cabo Verde "não é nada do que era em 1975", Germano Almeida relativiza a análise de Soares. "Não é opinião a valorizar nesta matéria."
A ideia de "ficar preso a regalias efémeras, dos subsídios da União Europeia" é sinónimo "de um espírito dependente", considerou Arlinda Santos. Para esta cabo-verdiana envolvida "na luta armada do PAIGC pela independência", como fez questão de afirmar, Soares "voltou a um certo saudosismo, que não entendo. É uma declaração irreconhecível nele".
Soares defendeu ainda a ideia de que "Cabo Verde não é propriamente África" e que "deveria ter sido mais explorada" a relação entre este arquipélago e os Açores, Madeira e Canárias.
Cabo Verde obteve a independência em 1975 sob a égide do PAIGC, partido também no poder na Guiné-Bissau. Em 1980, devido à conjuntura política em Bissau, o arquipélago segue uma via totalmente autónoma e o partido no poder passa a designar-se PAICV.
Houve de facto "resistência" à independência na diáspora a viver nos EUA, admite Jorge Carlos Fonseca, ministro dos negócios estrangeiros (MNE) cabo-verdiano entre 1991 e 1993, e até "bolsas de rejeição localizadas" no arquipélago. Principalmente devido ao "discurso ideológico do PAIGC da época" e à forma do "projecto de unidade com a Guiné-Bissau", diz ex-MNE.
Para Mário Silva, professor e deputado do MpD (oposição ao Governo do PAICV), esta "é uma situação ultrapassada"; Portugal e Cabo Verde "não ganham nada com estas discussões". Até porque os resultados da independência são "incontestáveis". O arquipélago "é o único país de língua oficial portuguesa cuja qualidade de vida melhorou depois da independência". Uma ideia subscrita pelas restantes figuras cabo-verdianas ouvidas pelo DN, entre as quais Cursino Tolentino, embaixador em Lisboa nos anos 80.
Para o actual director interino do Instituto da África Ocidental, "esta é uma declaração que incomoda e não faz sentido". Mas, recorda, no próprio arquipélago em dois momentos da primeira metade do século XX houve movimentos tendentes a uma dissociação de África. "Nos anos 30, houve reivindicações de adesão ao Brasil e mais tarde de ligação a Portugal como província do território continental".
As declarações de Mário Soares tiveram repercussão nos media electrónicos do arquipélago e foram bastantes comentadas na Net.

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