terça-feira, 6 de abril de 2010

Na Guiné-Bissau, dois líderes eleitos pelo povo resistiram à chantagem das armas. Um exemplo para o resto de África, vindo da área lusófona



Um exemplo para África
por Jaime Nogueira Pinto, Publicado em 06 de Abril de 2010 no Jornal I


Em finais de Março de 2010 as notícias sobre a Guiné-Bissau eram esperançosas: o país chegara a uma situação política estável, com um presidente da República e um primeiro-ministro eleitos com maiorias substanciais em eleições livres, justas e aceites por todos.

A política económico-financeira do governo conseguia ir pondo ordem nas contas públicas, pagar os salários em atraso dos funcionários e cumprir o serviço da dívida. O chefe do executivo, Carlos Gomes Júnior, tinha uma equipa capaz e sobrevivera à difícil coabitação com Nino Vieira. Para os militares, onde o grupo dos antigos combatentes balantas persistia como factor de peso, havia um projecto que permitiria reduzir o número de efectivos, passando à disponibilidade os elementos mais velhos mas pagando-lhes as pensões de reforma.

A recente visita a Portugal de Carlos Gomes impressionara muito favoravelmente os interlocutores e animara um grupo de empresários do Norte a investir na Guiné, país que estava nas prioridades de Lisboa. Luís Amado programara uma visita à Guiné-Bissau depois de o presidente Malam Bacai Sanhá ter cá estado.

No entanto, na quinta-feira passada chegam notícias de outro golpe em Bissau, protagonizado pelo n.o 2 das forças armadas, António Injai, o líder da operação punitiva que terminara na morte de Nino. Injai aparecia com Bubo na Tchuto, o ex-chefe da Marinha com alegadas ligações aos narcos que se refugiara na Gâmbia. Juntos tinham detido o PM Carlos Gomes e o CEMGFA, Zamora Induta.

Quando parecia estar iminente novo desastre, duas coisas aconteceram: a primeira foi uma pronta e espontânea reacção popular. A população veio para a rua defender o governo e atacar os golpistas e só retirou quando estes - pelas vozes de Bubo e Injai - ameaçaram matar Carlos Gomes. A segunda foi que o presidente Malam Bacai, com grande coragem e dignidade perante os seus interlocutores armados, se recusou a demitir o primeiro-ministro, solidarizando-se com ele e com o governo. Criticou asperamente a atitude dos golpistas, lembrando-lhes a repulsa e a cólera popular contra eles nas ruas, e conseguiu deles a libertação do PM.

Carlos Gomes mostrou-se um político civil, alguém que não precisa das credenciais de guerrilheiro nem de estar com uma kalash na mão para ser corajoso; mais: que é corajoso com a kalash na mão dos seus inimigos virada contra ele. Só o CEMGFA Zamora Induta continua detido pelos golpistas. Acusam-no de estar a preparar a sua liquidação e dizem agir em "legítima defesa antecipada".

Na Guiné-Bissau, dois líderes eleitos pelo povo resistiram à chantagem das armas. Não podem nem devem ser abandonados neste momento, pois, como demonstraram, representam a derradeira esperança de salvação do seu tão martirizado país. Um exemplo para o resto de África, vindo da área lusófona.


Professor universitário

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