quinta-feira, 22 de julho de 2010

Guiné Bissau aguarda primeiras prisões


Único centro de detenção na Guiné Bissau
Os "detidos" são livres de entrar e sair

Ao percorrer cuidadosamente um corredor estreito, passando por cima de um cano de esgoto danificado, o comandante da polícia guineense, Augusto Nhanga aponta para uma barra de metal acima dele.

"É por aqui que os prisioneiros saem," diz ele resignado, chamando a atenção para uma plataforma de metal mal construída que fica à distância de um salto para a casa vizinha.

"Eles sobem para o telhado e fogem."

Nhanga tem a seu cargo o único centro de detenção do país, uma antiga casa colonial no centro da capital, Bissau, conhecido como o Centro de Detenção da Primeira Esquadra de Bissau.

Aqui não há segurança.
Augusto Nhanga, Comandante da polícia

Não foi construído como uma prisão.

O desepero de encontrar um sítio para colocar os criminosos no que se tornou um dos pontos de crime mais acentuados de África, fez com que a casa colonial se transformasse num centro de detenção em 1999.

O edifício não tem electricidade, água corrente nem camas.

Colchões são alinhados no chão sujo e com falhas e há algumas redes mosquiteiras cheias de buracos penduradas nos quartos de tectos altos.

Mas o mais impressionante nestas instalações é a falta de segurança.

A porta de madeira da frente está emperrada e o portão que dá para a rua é muito baixo, chega à cintura e abre com facilidade o que faz com que as pessoas sejam livres de entrar e sair.

Um representante do Ministério da Justiça disse-me que um detido podia abrir-me a porta quando eu visitasse o centro, de repente as suas afirmações já não parecem ridículas de todo.

Uma fila de reclusos estão sentados com um ar deprimido e apenas o Comandante Nhanga e dois polícias não armados os impedem de sair.

"Se eu não estiver aqui", diz Nhanga, que explica que à noite vai para casa, "eles vão-se embora. Aqui não segurança."

Narcotráfico

O enfraquecimento das infraestruturas, instituições políticas e um exército corrupto tornaram a Guiné Bissau num país de trânsito favorito para os barões da droga da América Latina.

Colchões dos detidos no centro de detenção.
Não há dinheiro para camas

Os cartéis criminais trazem a cocaína através do país e traficam-na através de redes locais com mercados valiosos de consumidores na Europa.

O país tem 88 ilhas remotas ao largo da costa do Atlântico e apenas 21 são habitadas, na sua maioria por pescadores e agricultores.

Não há guarda costeira e os pequenos aviões com cocaína da Venezuela e da Colômbia aterram com regularidade nas ilhas antes de moverem as drogas através de canoas.

O orçamento ilimitado dos narcotraficantes estrangeiros torna a corrupção muito fácil.
Manuel Pereira, Agência da ONu contra as Drogas e Crime

O exército, é constituído na sua maioria por veteranos de guerra mal pagos da guerra da independência de 1963-74, descontentes com os planos do governo de os reformar.

Há informações que dão conta que eles protegem os traficantes e beneficiam do narcotráfico.

O antigo chefe do Estado-Maior da Armada guineense, José Américo Bubo Na Tchuto, foi nomeado por Washington em abril como uma figura central no narcotráfico e impedido de efectuar negócios com os Estados Unidos.

De acordo com os últimos números da agência das Nações Unidas contra as Drogas e Crime 2,3 toneladas de cocaína passaram através da África Ocidental e Central em 2008.

No mês passado, mais de duas toneladas foram apanhadas numa só busca na Gâmbia.

Mas embora o narcotráfico seja acentuado neste país com 1,5 milhões de pessoas, poucos traficantes de droga estrangeiros foram levados à justiça.

As leis existem para condenar os estrangeiros, mas com os traficantes a trazerem vastas quantidades de cocaína que ultrapassam largamente o produto interno bruto numa única transação, quando são apanhados desaparecem rapidamente.

"O orçamento ilimitado dos traficantes de droga estrangeiros torna a corrupção muito fácil," afirma Manuel Pereira da agência da ONU contra as Drogas e Crime em Bissau.

"É fácil não ir para a cadeia num sítio sem prisões. Os suspeitos desaparecem e sem suspeitos não há qualquer processo. E sem processo o caso é rejeitado."

Três refeições por dia

Mas agora a Guiné Bissau vai ter algumas prisões novas.

A agência da ONU contra Drogas e Crime e o Ministério da Justiça guineense reconstruiram duas prisões que vão ser as primeiras penintenciárias seguras do país.

Guardas prisionais locais estão actualmente a serem formados; as prisões devem estar prontas para receber os primeiros reclusos em setembro.

Ilha Rubane no arquipélago de Bijagós
Pequenas ilhas, muitas vezes desabitadas, são pontos de tráfico covenientes

As novas prisões em Bafata, a 100km de Bissau, e Mansoa, a 40km vão ser os sucessos maiores e mais visíveis sob o Fundo de Construção da Paz da ONU para a Guiné Bissau, diz Pereira.

Os 30 detidos do Centro de Detenção da Primeira Esquadra de Bissau do Comandante Nhanga vão ser transferidos para Mansoa onde vão estar presos, quatro em cada cela.

Mas vão poder beneficiar de instalações de recreação, electricidade, água corrente e três refeições pro dia.

Embora seja algo que poucos guineenses têm actualmente, Basilion Sanca, do Ministério da Justiça, afirma que mesmo assim as prisões vão ser dissuasivas do crime.

"O pior castigo para um guineense é não fazer parte da sociedade," afirma, salientando que de momento os prisioneiros não se sentem separados das suas comunidades, uma vez que beneficiam de visitas diárias das suas famílias que lhes trazem alimentos.

"Com estas novas prisões, os criminosos sabem que estão num centro de detenção do qual não podem fugir."

O problema não é a detenção de prisioneiros... O verdadeiro problema está muito mais acima.
Representante do Ministério da Justiça

Tal como Bafata e Mansoa, outras duas prisões estão a ser reconstruídas, cada uma delas com capacidade para 30 pessoas e a agência da ONU está a aguardar financiamento para uma quinta, com capacidade para 200 pessoas.

Espera-se que estas prisões confiram algum sentido de segurança ao país e desencorajem traficantes de droga estrangeiros.

"Tudo o que estamos a fazer é fortalecer o sistema judicial para garantir a segurança do país," afirma o Ministro da Justiça, Mamadou Saliou Galo Peres.

"Não podemos assumir este tipo de reformas sem esperança que vamos poder combater todo o tipo de crimes."

Os Estados Unidos retiraram o seu apoio de 200 milhões de dólares, para a reforma do sector da segurança, quando o Presidente nomedou o líder do atentado do dia 1 de abril para Chefe das Forças Armadas.

Depois disto, torna-se claro que estas prisões são apenas um pequeno passo para a reforma do sector de segurança do país.

"As novas prisões vão ter reclusos guineenses e estrangeiros," disse um representante do Ministério da Justiça, que pediu para não ser identificado.

"As leis aplicam-se a ambos. Mas o problema não é a detenção de prisioneiros mas sim o funcionamento apropriado do sistema de justiça. O verdadeiro problema está muito mais acima."

Mapa das rotas do narcotráfico

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