Por Fernando Peixeiro, da agência Lusa
Bissau, 17 jan (Lusa) - Os sonhos de Amílcar Cabral de uma Guiné-Bissau independente, democrática e desenvolvida estão por cumprir, 40 anos após a morte do herói do país, de acordo com analistas. Para uns o país falhou, para outros foi Amílcar quem falhou.
Amílcar Lopes Cabral, que nasceu na Guiné-Bissau e passou parte da sua vida em Cabo Verde, foi o fundador do movimento de luta pela independência das então duas colónias portuguesas e morreu a 20 de janeiro de 1973, na Guiné-Conacri, prevalecendo a tese de que terão sido os próprios companheiros de luta os autores.
Quarenta anos depois, a Lusa perguntou a três dos mais conhecidos analistas políticos da Guiné-Bissau quais os sonhos do principal herói do país que estavam por cumprir.
? "Este país não tem nada a ver com aquilo que Amílcar Cabral sonhou. Há uma coisa importante que ele sonhou e está feito: preparou tudo até à véspera da consumação das independências e foi assassinado. Este é um mérito histórico, indiscutível e eterno. Daí para a frente falhámos tudo", diz Fernando Delfim da Silva.
Outro analista, Rui Landim, está de acordo. O grande sonho de Cabral, aquilo pelo que lutou, existe hoje: um espaço político e demográfico chamado República da Guiné-Bissau, independente e onde os próprios guineenses dirigem o seu destino. Os outros sonhos não.
Mas Fafali Koudawo nem com isso concorda. "Só se concretizou o içar da bandeira. É difícil dizer que se concretizou a independência. Se atentarmos à definição que Amílcar Cabral deu de independência a Guiné-Bissau está longe de ter uma independência".
O analista explica que Amílcar Cabral tinha como definição de independência o facto de o homem africano ter a liberdade de escolher o seu próprio destino, de andar pelos seus pés no caminho que escolheu. "Será que a Guiné-Bissau está a andar pelos seus pés num caminho escolhido? Duvido!".
Independência à parte, diz Delfim da Silva que nestes 40 anos o país falhou o desenvolvimento económico e político. "Politicamente fracassámos, com instabilidade crónica e permanente, e falhámos no plano económico, porque a pobreza aumentou em vez de reduzir", diz, para concluir: "este não pode ser o país de Amílcar Cabral".
Amílcar Cabral dizia em 1969 que a independência queria dizer melhores condições de vida, mais quadros e escolas, com instituições que respeitassem os cidadãos. "Ele dizia que quem não entende isto não entende nada. Este aspeto hoje está longe de se realizar", afirma Rui Landim, acrescentando: "falhámos no que ele mais insistia, nos recursos humanos, no homem novo".
Rui Landim diz que é preciso para a Guiné-Bissau "descobrir o homem novo que Amílcar Cabral sonhou" e que não surgiu depois de 20 de janeiro de 1973. "Como não se conseguiu substituir o Estado colonial por um Estado democrático no qual os governados fossem os detentores da soberania".
"Pelo que conhecemos de Amílcar Cabral, se fosse vivo diria: eu falhei!", diz.
Palavras idênticas para Fafali: "o maior vazio que deixou o desaparecimento de Amílcar Cabral foi o da liderança. Não se encontrou uma liderança à altura do desafio da construção do Estado da Guiné-Bissau", e nos últimos 40 anos o país teve dirigentes e depois chefes, mas nunca um líder.
Por isso, conclui o analista, a Guiné-Bissau, como um barco, evoluiu pelo impulso que já tinha mas andou cada vez mais devagar. "Neste momento o barco parou, mas ainda bem, porque não há melhor momento para constatar que estamos parados do que quando já não há movimento", diz.
O país vive hoje um "momento crítico", em que toda a gente quer de novo aglutinar-se em torno de um sonho. Pelo que pensa Fafali Koudawo estará por isso melhor quando se assinalarem os 50 anos da morte de Amílcar Cabral.
Será possível sim, diz Delfim da Silva, mas desde que os guineenses "tenham juízo". "Não temos juízo, fazemos as coisas sem pensar e saem torto", lamenta, acrescentando que é preciso recomeçar e que, se houver juízo, em 10 anos podem ser cumprido os sonhos de Amílcar.
"Posso não acreditar nas pessoas mas acredito na Guiné-Bissau", responde Rui Landim, acrescentando que é possível encontrar um líder e fazer o país que Amílcar sonhou, um país de quadros, de consenso e um centro de produção de conhecimentos.
Diz Fafali que é essencial que o país volte a sonhar. E que assim, quando se fizer o balanço do meio século da morte de Amílcar Cabral, talvez o barco tenha recomeçado a andar.
FP // VM.
Lusa/Fim
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