Lisboa - O material cinematográfico da Guiné-Bissau que saiu para tratamento na Alemanha já regressou ao país, digitalizado e pronto para ser visto, disse à Lusa o director do instituto nacional de cinema guineense.
Em entrevista à Lusa, Carlos Vaz recordou como chorou quando, em 2004, encontrou o arquivo cinematográfico guineense "debaixo de chuva" e pensou: "O meu filho, o meu neto têm direito de saber esta história. Ninguém tem direito de privar as gerações vindouras.
O director do Instituto Nacional do Cinema e do Audiovisual (INCA) da Guiné-Bissau veio a Lisboa para apresentar, no âmbito do FESTin, festival de cinema de língua portuguesa, a curta-metragem "Sexo, Amor e SIDA", com a qual quis abordar "o relacionamento humano" entre um casal afectado pela doença.
Transformando o tratamento do arquivo no seu "cavalo de batalha", procurou apoios internacionais, sem resultados, até se cruzar com Filipa César, artista portuguesa que prometeu ver o que podia fazer na Alemanha, onde vive.
Apresentou um projecto e conseguiu apoio para "fazer o primeiro diagnóstico do arquivo cinematográfico" guineense, conta Carlos Vaz.
A degradação aumentava a cada época das chuvas e Filipa César pediu um apoio de urgência, unicamente para digitalizar o material, que foi transportado para a Alemanha e regressou à Guiné há um mês.
No INCA, encontrou "98 bobines", sobretudo material em bruto, com "200 horas de som" e "40 horas de filme, mais de metade estrangeiros".
Porém, "menos de 50 por cento", que, por sua vez, já eram apenas uma parte do arquivo que sobreviveu ao conflito de 1998, pôde seguir para tratamento, realçou.
O resto estava em muito mau estado. "Muita coisa estragou-se. Conseguimos salvar só dez por cento", contabiliza Carlos Vaz, referindo-se aos filmes nacionais.
O cinema guineense participou "na fundação da nação", com os primeiros filmes a serem feitos durante a luta de libertação nacional. Amílcar Cabral enviou quatro jovens "pioneiros" para se formarem em Cuba e depois filmarem "tudo o que se passava na zona libertada, para divulgar ao mundo", lembra Carlos Vaz.
Entre os filmes guineenses já resgatados está um inédito realizado por aqueles quatro jovens -- José Columba, Josefina Crato, Flora Gomes e Sana Na N'Hada. "Regresso de Cabral" foi exibido pela primeira vez em Bissau há uma semana.
No meio de "muito material" em bruto, "apenas três filmes guineenses estavam completos, um outro estava em muito mau estado e outros dois ainda em processo de montagem", refere Filipa César.
À beira do fim, o projecto já devolveu as películas originais à Guiné, juntamente com uma cópia digital, mantendo uma cópia de segurança na Alemanha. Porém, falta dar "verdadeiro tratamento" ao material, sublinha a artista, que vai voltar a procurar financiamento.
"Infelizmente, a situação financeira e económica do país não tem dado maior atenção e protecção ao sector cinematográfico", lamenta Carlos Vaz.
A Guiné chegou a ter várias salas de cinema, mas hoje não resta nenhuma. Os filmes vêem-se agora em "barracas", que foram proliferando à custa do buraco legal.
Num país "onde não há cinema, onde não há dinheiro e onde não há sensibilidade para fazer [cinema]", é preciso agora encontrar financiamento para catalogar, acabar de montar e formatar os filmes para serem mostrados às pessoas, concluiu.
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