sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Europa arrisca-se a pagar "preço elevado" se não souber tornar país estável, avisa investigador da Guiné-Bissau

Bissau,  (Lusa) -- A Europa arrisca-se a "pagar um preço elevado" por ter próximo um país muito instável, que pode ser a Líbia caso os aliados ocidentais falhem na ajuda à unificação e à construção.

O aviso foi hoje deixado pelo investigador Fafali Koudawo, reitor da Universidade Colinas de Boé, na Guiné-Bissau, que em entrevista à Agência Lusa se confessa muito cético em relação ao futuro da Líbia e à mudança que se preconiza neste país, com os rebeldes praticamente a terem tomado já o poder.

"A mudança começou mal, pelas armas, e um país que pega em armas leva muito tempo para as depositar ", diz, deixando várias interrogações depois: "A Líbia é um país que não tinha Estado mas um chefe de Estado. Agora caiu o chefe, onde está o Estado da Líbia? Vai precisar-se de construir um Estado. Este país com um chefe sem Estado tem muitas populações divididas, que não têm respeito pela mesma autoridade. Quem vai federar essas divisões? Essa Líbia de tribos? Amanhã quais as possíveis alianças?".

Fafali Koudawo dá o exemplo do que se passou recentemente noutros países, como na Tunísia, onde "os que se levantaram ontem estão a viver a amarga experiência de que os titulares do poder de ontem têm ainda um papel", ou no Egito, onde verificaram que nada mudou.

"Os militares estão no poder no Egito desde 1952, nunca o abandonaram. Cada um que vai ao poder tira a farda e mete uma gravata, mas são as forças armadas quem manda. O povo pensou que fez uma revolução! Ilusão! E na Líbia pode acontecer a mesma desilusão, mas que pode ser mais amarga, porque já deitaram abaixo as mínimas estruturas que existiam", alerta.

No futuro líbio caberá aos países europeus que favoreceram a via armada "grandes responsabilidades", porque se não souberem ajudar na construção e estabilidade vão pagar o preço de ter um país instável ao pé da porta "que pode alimentar turbulências até na própria Europa".

Cético também em relação ao atual momento na Líbia, Fafali Koudawo lembra que Tripoli é uma imensa cidade, o reduto de Khadafi onde a batalha vai ser mais dura. Mas com um desfecho rápido ou moroso uma coisa sabe o investigador: "as coisas mudaram e a Líbia não ficará como antes", e vai desenhar-se algo que pode não ser o que sonharam os rebeldes.

É que, diz, em revoluções como a da Líbia "uns sonham com a liberdade e outros sonham com outras coisas, que nada têm a ver com a liberdade".

E a Líbia tem um problema acrescido, foi governada durante 42 anos por um só homem, que vai deixar "um vazio terrível". "Não porque vamos ter saudades mas porque não sabemos preencher o vazio que ele vai deixar".

O coronel Khadafi, segundo a leitura do reitor, é uma pessoa que sempre teve a visão messiânica do poder, com uma missão na Líbia, no mundo árabe e em África. No mundo árabe tentou expandir-se e como não conseguiu tornou-se "africanista", primeiro pela força no vizinho Chade (onde fracassou após intervenção da França) e depois pela penetração mais suave a sul do Sahara, mas sempre vendo o continente "como uma massa que pudesse governar".

Com uma visão assim, afirmando que no seu país não há instituições porque a instituição suprema é o povo, acabou por "dar cabo" do Estado, tornando-se a personalidade central de todas as decisões.

É este país sem Estado e com um chefe em queda que, teme o académico, pode não ser fácil de erguer, na era pós Khadafi.

De origem togolesa, Fafali Koudawo é doutorado em ciências políticas e autor, entre outros, do livro "Cabo Verde/Guiné-Bissau, da Democracia Revolucionária à Democracia Liberal", com prefácio de Jorge Carlos Fonseca, eleito domingo passado Presidente de Cabo Verde.

FP.

Lusa/fim

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