Estou nesta terra que Deus vos deu – a Guiné-Bissau – como vosso hóspede, há uns 14 meses. Viajei pelas regiões. Visitei ilhas, bairros, tabancas, mercados. Conversei com régulos, imãs, bispos, padres, pastores. Também com bideras (vendedeiras) e pescadores. Falei com estudantes, académicos. Dialoguei com militares, polícias, oficiais, soldados… Fui recebido por todos, homis ku mindjeres, garandis ku mininus, com sorrisos, apertos de mão, calor humano.
Em mais de um ano nesta Terra de Deus não vi, nem ouvi falar de um único caso de vandalismo. Claro, há roubos, assaltos, às vezes à mão armada. A extrema pobreza, a fome, pode levar-nos a atos que normalmente não cometeríamos.
Mas, quando Homis Garandis roubam muitos milhões de francos CFA e se apoderam de terras e casas do Estado com total impunidade, é difícil condenar aqueles que roubam alguns tostões para dar de comer lá em casa.
Não é muito diferente do que se passa nos países ricos – os dos senhores dos grandes bancos que auferem escandalosos salários de milhões de dólares ou euros por ano, arruínam países e milhões de seres humanos pela sua incompetência e ganância, e não vão parar à prisão. Aliás, até recebem um bónus muito generoso de "despedida"!
Em contrapartida, as prisões estão cheias dos pequenos delinquentes que, como Jean Valjean – o herói de Os Miseráveis, do clássico francês Victor Hugo –, roubaram apenas um saco de arroz para dar de comer aos seus muitos filhos.
Na Guiné-Bissau, o delito comum continua a ser muito baixo, apesar da pobreza extrema. É um dos países mais seguros do mundo. Eu conheço dezenas de países e poderia dizer de cor o índice de criminalidade de cada um, na Ásia, África, Europa, América do Norte e do Sul.
I. Finalmente, as eleições
Depois de muitas dificuldades e alguns sobressaltos ao longo de 12 meses, finalmente, no dia 13 de Abril vocês votaram.
O meu país, a vossa Terra Irmã de Timor-Leste, ajudou um pouco e espero que continuará a ajudar – ajuda de um irmão pobre a outro irmão ainda mais pobre. Mas vocês nos deram mais, deram-nos lições de humildade e civilidade no dia-a-dia das vossas vidas e durante a campanha eleitoral.
O GTAPE e a CNE fizeram um magnífico trabalho. E o Governo de transição, em particular o ministro da Adminisração Territorial e Poder Local, Baptista Te, invariavelmente com o seu chapéu, merecem o nosso aplauso.
Os irmãos das Forças de Defesa e Segurança, incluindo a ECOMIB, também se portaram muito bem, apesar de que dispunham de meios motorizados escassos.
Os partidos políticos (até desisti de contar quantos eram!) e candidatos (também sem conta) portaram-se todos bem, revelando muita maturidade e elevação, respeito mútuo e ausência de agressões verbais.
Estamos na reta final do processo de transição. Já temos uma nova Assembleia Nacional eleita e já sabemos, portanto, quem vai ser o novo primeiro-ministro. Agora, vai-se eleger o primeiro magistrado da Nação – o Presidente da República.
Todos devem, portanto, contribuir para que a segurança conjunta seja garantida, para que o clima de "carnaval da democracia" – que caracterizou a primeira fase destas eleições gerais – continue nesta derradeira segunda volta.
II. Governo abrangente?
Defendo o ponto de vista de que a Guiné-Bissau beneficiaria muito de um governo de base alargada. Sempre defendi o princípio de que nestas eleições não deveria haver "perdedores". O partido mais votado deveria convidar os seus adversários políticos para o diálogo e ser explorada a possibilidade de um governo inclusivo.
Quero, acima de tudo, encorajar a ideia de que, no período pós-eleições, os vencedores e vencidos da contenda se transformem em parceiros comprometidos numa única causa: a da reconstrução do Estado rumo à normalização política e ao relançamento do desenvolvimento socioeconómico da Guiné-Bissau.
E todos esperamos que o próximo Presidente da República venha a ser um homem conciliador, alguém que saberá dialogar e agir como Pai da Nação, ajudar a sarar as feridas antigas e as novas, criar condições propícias para que o Governo possa governar sem sobressaltos.
Mas cabe aos irmãos guineenses absorver esta ideia, ou não. O primeiro-ministro eleito, o eng.º Domingos Simões Pereira, não tem sobre os seus ombros o peso da história – a parte negra da história –, pois pertence a uma nova geração de líderes.
Mas ele vai precisar de muito apoio para cumprir com a agenda prometida, apoio leal no plano interno, e apoio urgente e generoso dos parceiros internacionais.
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