sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Quando um país de emigrantes se descobre como ponto de destino

Por João Manuel Rocha, em Cabo Verde

É como se o filme fosse agora ao contrário: Cabo Verde, que há gerações é terra de emigração, passou a ver chegar um número crescente de estrangeiros, que procuram no país africano que domingo escolhe um novo Governo a sua terra prometida.

Lassana Sané, de 23 anos, veio da Guiné-Bissau, é costureiro

Lassana Sané, de 23 anos, veio da Guiné-Bissau, é costureiro (Foto: Miguel Madeira)

Lassana Sané, de 23 anos, que há dois anos trocou a Guiné-Bissau pela Cidade da Praia, é um deles. Sentado atrás da máquina de costura, enquanto cose mais um vestido num tecido de cores vivas, em pleno Mercado de Sucupira, explica que veio pela razão que move todos os emigrantes: "À procura de vida" e porque no seu país "não há emprego".

Dois dias antes, na Praça Estrela, Mindelo, Pape, um senegalês de 32 anos, não escondia a satisfação pela escolha de São Vicente, onde aterrou há três anos. Já esteve em seis outros países - Gâmbia, Mali, Burkina Faso, Nigéria, Gana e Níger - e em nenhum lhe correu tão bem a venda de roupa, cabos, baterias e auriculares de telemóvel, que regularmente vai buscar a Dacar. "Ganhei aqui mais que nos outros." No início da permanência em Cabo Verde esteve na Praia, mas está contente com a mudança, porque "Mindelo é más bom. Ici é calmo. Praia há beaucoup de violence, d"agresseurs".


Lassana, que herdou do pai a profissão de costureiro, foge à regra da generalidade dos seus compatriotas, que aqui se dedicam à construção civil e ao trabalho como guardas privados. A escolha de Pape confirma a preferência dos senegaleses pelo pequeno comércio, ainda que no seu caso a venda não seja ambulante.


Comunidade com presença bem visível, ainda que discreta e avessa a falar das suas razões, é a chinesa. Os primeiros chegaram em meados dos anos 1990. Números divulgados em Novembro à Lusa pela embaixada de Pequim na Praia indicam que rondavam os 2300, com cerca de 300 lojas. Percebe-se que impuseram forte concorrência e alterações no comércio local, quando se circula no centro da capital e no do Mindelo.


Como são os imigrantes recebidos pelos cabo-verdianos? "Mais ou menos. Nós estamos um pouco mais bem que os senegaleses. Também somos ex-colónia portuguesa", diz Lassana, fita métrica verde à volta do pescoço, a trabalhar a arte que aprendeu do pai na máquina comprada a chineses em segunda mão.


Papa, outro senegalês, que será dos mais antigos imigrantes do seu país - soma 25 anos de Cabo Verde, dez na Praia a que juntou os últimos 15 no Mindelo -, garante que nunca teve problemas. As interrupções dos que o cumprimentam enquanto conta a sua história parecem confirmar isso mesmo.


Mas outros têm uma experiência diferente. Djalo Abdul, de 30 anos, da Guiné-Conacri, também comerciante no Mindelo, lembra que há barreiras entre as comunidades. Aprendeu que "a comida é diferente, nós somos muçulmanos", e distingue entre "os cabo-verdianos que já estiveram fora [que] gostam [dos imigrantes], e os que nunca estiveram [que gostam menos]. Pensam que queremos tomar o seu dinheiro".


Francisco Avelino Carvalho, consultor do Perfil Migratório em Cabo Verde, divulgado no ano passado, explica o aumento da imigração com a construção das infra-estruturas e o crescimento do turismo. Este professor na Uni-CV-Universidade de Cabo Verde, e assessor do ministro das Comunidades Emigradas, tem sublinhado que é preciso contrariar a formação de imagens negativas sobre os imigrantes. "Não há indícios fortes de situações de conflito", afirma. Mas mantém as preocupações expressas num texto de há dois anos, quando referiu "manifestações xenófobas dissimuladas" para com os imigrantes da África continental e ao modo como era comentada a crescente presença de chineses. "Será que iremos enfrentar a questão da imigração com dois pesos e duas medidas?", questionava o investigador, para quem a chegada de estrangeiros a um país habituado a ver sair é um desafio à morabeza, a amabilidade cabo-verdiana.

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