O realizador guineense Flora Gomes estreia na quinta-feira, em Portugal, o filme "A república di mininus", que é "um grito de desespero" sobre as "turbulências" em África, afirmou o cineasta à Lusa.
Flora Gomes, 64 anos, considerado um dos históricos realizadores da Guiné-Bissau, fez da sua quinta longa-metragem de ficção uma "parábola" sobre "o que está a acontecer em África, essas turbulências, os focos de instabilidade, em praticamente todos os cantos" do continente.
O filme, co-produzido por Portugal, foi rodado em Moçambique com crianças, às quais se juntou o actor norte-americano Danny Glover.
Nesta ficção, numa sociedade marcada pelo conflito, são as crianças que assumem as funções dos adultos nos hospitais, na educação, no poder. A elas junta-se um conselheiro (Danny Glover), que tem a capacidade de ver mais além, através de um simples par de óculos.
Citando a personagem de Danny Glover, Flora Gomes explicou, em Lisboa, que queria questionar o que se passa em África: "Se não percebermos o que se está a passar lá fora, vamos acabar caindo como as frutas maduras. É o meu grito de desespero".
Flora Gomes inevitavelmente sabe que o filme também pode ser uma parábola sobre o seu próprio país, a viver um momento de transição depois do golpe de Estado ocorrido em 2012.
"Os países como o meu, para não falar dos países de África em geral, saíram [tornaram-se independentes] há menos de 40 a 50 anos. Estamos a construir algo que é tão difícil. Não digo que é impossível, mas tem que se fazer, compreendendo toda a complexidade do país em que estávamos a viver", afirmou.
No caso da Guiné-Bissau, "quem perde, perdeu tudo, já não tem expressão. Quem ganha vitoriosamente, pensa que é para a eternidade. Isso cria animosidade entre quem perde e quem ganha, não há diálogo".
Flora Gomes manifestou-se céptico em relação à realização de eleições no país: "Eleições sim, mas depois das eleições o que é que vai haver? Isso é que eu quero saber".
Em "A repúbllca di mininus" há ainda um discreto protagonista: um par de óculos, que esteve perdido durante anos e que é reencontrado pelo conselheiro Dubem (Danny Glover).
Esses óculos, que no filme permitem perceber como será o futuro, representam as pessoas que marcaram a vida de Flora Gomes - "fizeram a minha geração sonhar" - como Amílcar Cabral, fundador do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), que conheceu nos anos 1960, ainda adolescente, e de quem quer um dia fazer um filme de ficção.
Flora Gomes disse também que um dia quer voltar a filmar na Guiné-Bissau - "estou a preparar-me para voltar à minha terra para filmar" -, mas não sabe quando, e garante que só faz filmes onde se sente realizado.
Na Guiné-Bissau, onde a actividade cinematográfica praticamente não tem expressão, "não há nenhuma política cultural. É muito doloroso dizer isso", lamentou.
Por ora, Flora Gomes prepara um policial sobre tráfico de droga - um dos problemas que atingem actualmente a Guiné-Bissau -, mas a história irá passar-se num país imaginário, "o 17.º país da África Ocidental", cujo nome não quis revelar.
Sobre o tráfico de droga na Guiné-Bissau, Flora Gomes argumenta: "Eu não estou a negar que existe, que não haja pessoas metidas nisto, mas é preciso contar a história como ela é", alertando para a fragilidade de vários países de África, "condenados a essa vida".
A Guiné-Bissau "está a pagar a factura da sua vulnerabilidade", disse o realizador.
Lusa
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