quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Guiné-Bissau: Malam e Cadogo entram em 2011 de mãos dadas


Sacrificam rivalidades em prol da estabilidade

A Primeira Sessão do Conselho de Estado da Guiné-Bissau, realizada no passado dia 28 de Dezembro poderá vir a assumir-se como uma das mais importantes datas do calendário guineense. Para o futuro, 28 de Dezembro ficará assinalado como o dia em que o Presidente da República Malam Bacai e o Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior sacrificaram as suas rivalidades pessoais em favor da estabilidade e desenvolvimento futuro do país.

Em dois dias seguidos, primeiro durante a sua presidência aberta em Cachéu, e ontem durante a reunião de Conselho de Estado, Malam Bacai deu as garantias que a Comunidade Internacional esperava há muito: O actual mandato de Carlos Gomes Júnior como Primeiro Ministro é para cumprir até ao fim. Com estas declarações, Malam deu sinais públicos claros de que as cicatrizes abertas no Congresso do PAIGC de Gabú em 2008, no qual foi batido na corrida à presidência por Carlos Gomes Júnior, começam finalmente a sarar.
Na última semana, o acordo secreto alcançado entre Malam Bacai e Carlos Gomes Júnior teve como consequências imediatas, por um lado, o afastamento de Satú Camará do Ministério do Interior e a nomeação de Dinis na Fantchamena em sua substituição - permitindo ao Presidente manter as forças policiais e os serviços de segurança na sua esfera de influência, mas satisfazendo o desejo de afastamento da Ministra expresso por Cadogo. Por outro lado, foi acordada a libertação de Zamora Induta, medida há muito reclamada pela comunidade internacional como condição fundamental para a concretização pelo Governo de Carlos Gomes Júnior das negociações do perdão da dívida guineense e a retoma dos programas de cooperação internacional, fundamentais para a estabilidade social e credibilidade do país.
Mais do que o acordo em si, o entendimento estabelecido entre as duas principais personalidades políticas abriu as portas à estabilidade, algo escasso em Bissau durante os últimos anos.
Se 2009 foi marcado pelos assassinatos de «Nino» Vieira, Tagme Na Waie, Hélder Proença e Baciro Dabó, 2010 ficará para sempre associado ao levantamento militar de 01 de Abril. Nesse dia, o então vice-CEMGFA António Indjai (o qual poucos dias antes tinha assinado uma nota de culpa confessando a sua participação numa operação de narcotráfico em Cufar) liderou as tropas revoltosas e deu ordem de detenção ao Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior e a Zamora Induta, seu superior hierárquico. Carlos Gomes Júnior, fruto da pressão internacional de imediato exercida, acabou libertado em poucas horas. Já Zamora Induta, visto como alguém que em liberdade poderia reunir em seu redor forças capazes de provocar um contra-golpe, foi transferido para a prisão militar de Mansoa, a qual só abandonou a 24 de Dezembro, com notórias dificuldades de saúde provocadas pelos meses de cativeiro.
O Golpe de Indjai, mais tarde coroado CEMGFA pelo próprio poder político que tinha tomado como refém, teve como principal consequência o embarque da Guiné-Bissau numa espiral de instabilidade político-militar. Rumores e ameaças constantes de novos Golpes e Contra-Golpes, o retorno ao rótulo de narco-Estado e a integração de chefias militares nas listas internacionais de narcotraficantes, marcaram os meses seguintes da Guiné. Muitas destas intentonas foram fomentadas por razões étnicas ou por defesa de interesses pessoais de personalidades políticas de segunda linha, que aproveitando as suas posições privilegiadas, sopravam aos ouvidos presidenciais políticas de terra queimada com o objectivo de terminar o que o 01 de Abril não tinha consigo obter, a queda do Executivo guineense.
Mas o Golpe de Indjai não teve apenas consequências políticas. Em simultâneo com a detenção de Zamora Induta, António Indjai libertou Bubo Na Tchuto, o chefe militar exilado nas instalações da ONU em Bissau que dois anos antes tinha liderado uma tentativa de Golpe de Estado contra «Nino» Vieira. Após a libertação, Bubo Na Tchuto foi inicialmente rotulado pelos EUA como “narcotraficante” (a par de Papa Camará, o chefe da Força Aérea guineense), posteriormente ilibado das acusações de Golpe de Estado pelo Tribunal Militar e finalmente nomeado Chefe de Estado Maior da Armada. Apesar do coro de protestos internacionais, a reintegração militar de Bubo foi apadrinhada pelo silêncio refém da classe política e de António Indjai, já então CEMGFA mas sem qualquer capacidade para se impor como autoridade máxima aos homens sob o seu comando.
A pacificação política agora atingida entre o Presidente Malam e Carlos Gomes Júnior indicia que as duas personalidades políticas terão concluído que só trabalhando em conjunto poderão fazer face à ameaça latente de desestabilização da dupla Bubo-Indjai. Bubo Na Tchuto, o eterno número 2, não pretenderá continuar a ser ultrapassado por militares nos quais não revê quaisquer capacidades de liderança operacional militar. O seu desafio de 2011 será o de recuperar a saúde financeira perdida durante os anos de exílio e conseguir por meios aceites pela comunidade internacional o lugar de CEMGFA que reclama como herdeiro. Indjai terá pela frente o desafio de estabilizar o descontentamento das forças armadas guineenses e pôr finalmente em prática o plano de reforma de segurança e defesa, essencial para o efectivo funcionamento democrático do país.
Estabilizada politicamente, a Guiné-Bissau terá em 2011 um ano decisivo. O Presidente Malam e o Primeiro Ministro enterraram o machado da guerra em prol do desenvolvimento do país e com isso poderão ganhar definitivamente o apoio da Comunidade Internacional. À dupla Bubo e Indjai, encurralada pelo poder democrático e pela pressão externa, resta dar os passos seguintes de um processo de reforma das Forças Armadas, hoje em causa pelos constantes retrocessos e por décadas de oportunidades perdidas.


Rodrigo Nunes

PNN Portuguese News Network

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