quarta-feira, 26 de março de 2014

Ambientalistas receiam exploração de areias e abate de árvores na Guiné-Bissau

A exploração de areias pesadas e o abate de árvores na Guiné-Bissau estão a alarmar a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN), alertou hoje, em entrevista à Lusa, Nelson Dias, chefe de programa daquela organização no país.

       

A exploração de areias está a avançar em Varela, no norte do país, mas aquele responsável alerta: segundo a UICN não foram feitos estudos suficientes para proteger o ambiente, a tecnologia usada é arcaica e desconhece-se o contrato de exploração.

"Não há garantias de que a qualidade da água seja preservada", afetando não só a população das tabancas (aldeias), como também os peixes e as bolanhas (arrozais alagados), fontes de alimento na região.

Aliás, "a qualidade da água mudou" logo na fase de estudos preliminares, em 2012, algumas espécies de peixes "tornaram-se raros e a população reclamou", recorda.

Para além de ninguém dar garantias de que esses riscos estejam acautelados, o trânsito de pesados na estrada de terra batida que cruza a região, recentemente coberta com terra fina, está a cobrir de pó os terrenos em redor.

"Isto vai afetar a polinização do caju e frutos silvestres. Receamos que a produção possa descer", acrescenta Nelson Dias.

Tudo somado, são riscos a mais, sem respostas ou garantias, lamenta o ambientalista.

O acordo com uma empresa russa para a exploração de areias pesadas foi assinado pelo Governo de transição da Guiné-Bissau, a 21 de fevereiro, numa cerimónia pública em que um representante da sociedade anónima Poto anunciou o início dos trabalhos de exploração de jazidas estimadas em cerca de 80 mil toneladas.

Os derivados das areias pesadas de Varela, como o Zircónio, podem ser utilizados nas indústrias nuclear, química e eletrónica, bem como na construção civil.

Apesar de os pormenores do contrato de exploração por cinco anos não terem sido revelados, os membros do governo prometeram na cerimónia que a região vai beneficiar "de muitos projetos", tais como a reparação da principal estrada, construção de escolas e hospitais.

Mas o guineense Nelson Dias é muito crítico quanto à forma como está ser permitido o acesso aos recursos naturais do país e alerta também para o abate intenso de árvores para obtenção de madeira.

"À vista desarmada aumentou o número de motosserras nas florestas e o número de contentores" oriundos do interior "que fazem fila no porto de Bissau ou passam pela fronteira", refere.

Cada contentor "pode levar 95 a 100 troncos. A população ganha mil francos por árvore cortada, quem corta ganha quatro a cinco milhões por contentor e o exportador lucra um balúrdio", resume Nelson Dias, para ilustrar o desequilíbrio do negócio.

Ou seja, "o Estado passa licenças em que não ganha nada" e a população, maioritariamente dependente da agricultura, "fica com os ecossistemas destruídos".

"Têm que ser o governo e a população a chegar à conclusão que estão a ser prejudicados e a decidir mudar o sistema. Enquanto isso não acontecer, estamos a ganhar migalhas e a destruir o futuro", conclui.

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