terça-feira, 24 de junho de 2014

Opinião : Hora de partida JOSÉ RAMOS-HORTA “acredito que a Guiné-Bissau entrou numa nova era, mais promissora”.

No mercado Caracol de Bissau as bideras (vendedeiras) e os seus filhos, muitas centenas, organizaram para mim uma grande festa de despedida na última quinta-feira, 19 de Junho.

Ofereci duas vacas e comprei todos os produtos necessários para confecionarem almoço para umas centenas de gente do povo. Quis despedir-me dos mais simples da Guiné-Bissau. Alberto Pereira Carlos, chefe da Agência de Cooperação Timor-Leste – Guiné-Bissau, pagou o aluguer do equipamento sonoro e de um palco rudimentar.

Os dois primeiros-ministros, o cessante, Rui Duarte Barros, e o eleito, Domingos Simões Pereira, também lá estiveram e ofereceram caixas de bebidas. O general António Indjai, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), compareceu igualmente. Indjai, visto sempre como o "lobo mau", de grande porte, ar de verdadeiro chefe de tabanca, lá estava, a ser bem recebido pelo povo.

Convidei os três Homis Garandis a juntarem-se a mim e ao seu povo humilde. Mas, antes, tinha telefonado ao principal promotor da festa, o Adile, para saber se o povo receberia bem o general. Ele assegurou-me que sim.

Grupos musicais, rappers e rockers, assim como grupos tradicionais ofereceram entretenimento. Um grupo de jovens rappers compôs uma música para mim e emitiu um certificado garantindo que José Ramos-Horta cumpriu a sua missão. Disseram para eu o entregar ao Secretário-geral da ONU, para ele saber que os rappers da Guiné-Bissau acham que eu cumpri a missão de que fui incumbido pelo Conselho de Segurança.

Conheci as bideras no início da minha chegada a Bissau, em Fevereiro de 2013. E, agora, parto despedindo-me delas, mulheres simples da Guiné-Bissau, elas que são a verdadeira força económica desta terra. Desbravam as matas, plantam e colhem, apanham a lenha para cozinhar, buscam água para a casa e cuidam dos filhos.

Os homens, muitos - há sempre exceções - estão sentados à sombra das árvores na tabanca, serenos; discutem as pequenas e grandes questões de hoje, ou de ontem; jogam cartas, bebem vinho de cajú. E esperam pelas mulheres que estão no campo para, logo que cheguem a casa, lhes prepararem o arroz. O homem não sabe botar água numa panela, fazer lume e cozinhar o arroz.

Foram 18 meses de missão político-diplomática na Guiné-Bissau e, também, de muitas viagens na região, Europa, Estados Unidos.

O Estado Timorense, com o Presidente Taur Matan Ruak, o primeiro-ministro Xanana Gusmão e o líder da oposição, Mari Alkatiri, assumiu liderança moral num ato de coragem e generosidade que surpreendeu, e a todos emocionou na Guiné-Bissau e em toda a região da África Ocidental. Nicolau Lobato, herói e mártir timorense, não esperaria outra coisa dos seus sucessores.

Os povos e governantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, que tanto contribuíram para a independência de Timor-Leste, deverão sentir-se felizes por verem Timor-Leste saber assumir as suas responsabilidades morais e históricas apoiando um país irmão da CPLP, em crise.

Acredito que os militares vão respeitar a nova Ordem Constitucional. Não haverá mais golpes à mão armada. O governo do primeiro-ministro, engº. Domingos Simões Pereira, vai governar cinco anos sem sobressaltos.

Constitucionalistas portugueses impingiram o semi-presidencialismo à Guiné-Bissau; no resto da África, em toda a América Latina e em quase toda a Ásia impera o presidencialismo. No modelo semi-presidencialista da Guiné-Bissau, que criou a bicefalia do poder político, pode ser encontrada a explicação para uma boa parte da instabilidade política, agravada pela falta de humildade e sentido de Estado dos que ocuparam a presidência e a primatura.

Espero que o meu irmão José Mário Vaz (Jomav) saberá exercer uma presidência de reconciliação e estabilidade, criando condições políticas favoráveis para que o governo possa governar com tranquilidade; que ambos, Jomav e Domingos Simões Pereira, saibam ouvir e dialogar com a classe militar, tranquilizando e dignificando os militares; e, gradualmente, com prudência, mas também com firmeza, iniciar o processo de modernização das Forças Armadas.

Toda a chefia militar disse, repetidamente: "queremos o modelo timorense". Mas nós, timorenses, temos que ter consciência das nossa muitas limitações no plano dos recursos humanos e financeiros.

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