O Comando Militar que tomou o poder na Guiné-Bissau diz que o Governo de transição será mais técnico e menos político e aberto ao maior partido (PAIGC), para "arrumar o país" em dois anos, a começar pelas Forças Armadas.
Em entrevista à Lusa em Bissau, Daba Na Walna, porta-voz do Comando Militar das Forças Armadas, diz que vai propor os nomes dos vice-presidentes da Assembleia Nacional Popular (Serifo Nhamadjo e Sori Djaló) para cargos de condução do governo de transição, após o golpe de Estado 12 de abril, e justifica o motivo para dois anos de transição com uma questão de disciplina nas forças armadas.
Faz também um balanço do estado das Forças Armadas da Guiné-Bissau, lamenta situações de pânico e admite que tenham havido excessos dos militares, quando do golpe, nomeadamente o roubo de bens pessoais de políticos guineenses. "Ouvi falar (das pilhagens), é natural que numa situação destas e com as Forças Armadas que temos, que não têm disciplina militar - eu costumo dizer, isto aqui é um `bando armado` - é um perigo com que estamos a lidar, tem de haver regulamento da disciplina militar. É por isso que pedimos uma transição de dois anos, para que se faça o trabalho de casa", diz.
A prática de assaltos, conta, vem do período da guerra mas também porque a Guiné-Bissau é "um país à deriva", com militares que ficam na tropa toda a vida. "Temos de encontrar uma solução, para que as pessoas possam ser úteis lá fora", diz, acusando o Governo de Carlos Gomes Júnior, o primeiro-ministro detido, de nunca ter querido a reforma das forças de Defesa e Segurança.
"Temos 2400 homens prontos para a desmobilização, numas Forças Armadas com 4500 homens. Quase metade. Voluntários. O governo pediu 500, depois 400, depois mandou parar o processo, desconfiamos que era por constar nomes como o de Zamora Induta" (ex-chefe das Forças Armadas, refugiado há várias semanas na delegação da União Europeia), diz.
Daba Na Walna afirma também que convocou o PAIGC, maior partido e no poder até quinta-feira passada, mas foi ele que se autoexcluiu. "Disse que não participava em nada que diga respeito a todo este movimento que se desencadeou a partir de dia 12, estamos num país de liberdades, não podemos obrigar o PAIGC a participar", afirma.
"Este Governo a ser formado prioriza a sapiência, o mérito, à cor partidária", garante, enquanto acrescenta que quadros válidos do PAIGC podem fazer parte de uma "transição que sirva como lançamento de bases para a Guiné do futuro, com garantias e perspetivas de desenvolvimento".
"Não podemos falhar. Há o problema da impunidade que se fala tanto, por crimes que não são julgados. Damos a imagem de um país completamente falhado, um país virtual, onde tudo é possível. Mata-se, rouba-se, não se faz nada. Isso não pode continuar".
O exemplo começa nas Forças Armadas, onde não há ordenamento de disciplina militar, não há justiça militar, onde as promoções são feitas ao "Deus dará", onde os tribunais militares não funcionam, prossegue.
"Um país assim é um autêntico laboratório de confusão e não é com um governo de um partido político que isso acaba, tem de ser um governo de largo consenso nacional. Por isso é que pedimos um governo de transição de dois anos. As eleições não resolvem problemas, antes pelo contrário. Os partidos aqui são arrogantes quando ganham eleições. A vitória é um fim, não compreendem que a vitória é o início de um trabalho que o povo nos confiou", justifica.
Daba Na Walna lamenta que tivessem havido notícias sobre uma força portuguesa a caminho da Guiné e que pessoas "interessadas em intoxicar a opinião pública" tenham provocado uma "debandada". "Se reparar foram presas duas pessoas [no golpe de Estado] e mais ninguém foi perseguido", afiança.
"Não vamos matar ninguém. Sentimos muita pena das pessoas que estão a fugir", diz, acrescentando que também a questão de uma força da ONU preocupa o povo. "Os militares, a serem enviados, são pessoas como nós, separam o trigo do joio, talvez venham prender-nos a nós que estamos envolvidos no golpe", não as outras pessoas, diz.
Os militares, diz, têm confiança em Portugal e sabem que o país não vem atacar, "mas o povo não percebe isso". Mas se vier mesmo uma força é culpa de Angola, e "é pena que a CPLP tenha falhado como falhou". De resto, adianta, "Angola sempre falhou" diplomaticamente relativamente à Guiné.
Quanto ao futuro imediato, diz que na quarta-feira colocaram aos políticos a hipótese de Serifo Nhamadjo (vice-presidente da Assembleia Nacional) como Presidente interino e Sori Djaló como presidente do Conselho Nacional de Transição.
Diz Daba Na Walna que a Constituição não pode ser seguida. Porque então Serifo Nhamadjo teria de sair rapidamente e "o país não está preparado para eleições em novembro".
"Se não extinguíssemos o Parlamento o que iria acontecer era chegar a novembro e alguém entrar com um pedido no Supremo Tribunal de Justiça para o fim do mandato do Parlamento. Já aconteceu no tempo de Nino (Vieira). Por isso decidimos criar o Conselho Nacional de Transição", justifica.
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