sábado, 9 de janeiro de 2010

"As duas linhas contraditórias da política africana dos EUA"

Opinião de António Pacheco da Fundação Pró Dignitate e especialista em assuntos africanos

Publicado 08 Janeiro 2010 no Jornal de Negócios

A política africana da administração norte-americana é construída, hoje, a partir de duas linhas contraditórias. Num dos lados estão os centros académicos da costa Leste, normalmente liberais e dominados por afro-americanos. Mas o cerne da linha de trabalho da administração norte-americana voltou a estar nas mãos dos militares e dos centros de análise militares.

Verifica-se hoje um interesse crescente dos Estados Unidos em relação às ex-colónias portuguesas de África.

Washington presta particular atenção à existência de uma forte comunidade cabo-verdiana nos Estados Unidos, avaliada em mais de 400.000 pessoas, em particular na costa Leste, em Rhode Island e Massachusetts. A dupla nacionalidade é uma realidade muito forte e os cabo-verdianos tomam parte, tanto nas eleições estaduais norte-americanas como nas eleições gerais do seu país, o que lhes possibilita manter um poder negocial junto de alguns congressistas, como é o caso de Patrick Kennedy, de Rhode Island, sendo ao mesmo tempo, regularmente assediados pelos candidatos do país de origem que aqui se deslocam à procura de votos e, sobretudo, de apoio financeiro para campanhas.

O candidato à presidência de Cabo Verde pelo MPD e o primeiro- ministro do país estiveram em Providence nas últimas semanas e foram recebidos por universidades, centros de estudo e congressistas. Esta semana, Patrick Kennedy, filho do falecido "Ted", divulgou um comunicado em nome dos "cape-verdeans-americans" que vivem em Rhode Island, congratulando-se pela "atribuição do segundo empréstimo com o Millenium Challenge Corporation". Naturalmente que nesse comunicado referia o papel pessoal que desempenhou na concretização do referido acordo.

São Tomé representa também um discreto aliado dos americanos na zona do Golfo da Guiné. A aposta é reforçar a presença militar, sobretudo no sector das telecomunicacões, Para isso, a América conta servir-se das relações estabelecidas sobretudo pelas empresas de exploração de petróleo com as estruturas de poder, desde os tempos da presidência de Miguel Trovoada.

Angola sob observação
Os analistas e académicos ligados a alguns institutos militares consideram que deve prosseguir o apoio ao regime do presidente Eduardo dos Santos. Luanda conseguiu fazer passar a ideia de que não existe alternativa real ao regime. Assim, tanto a secretária de Estado Clinton como a embaixadora Susan Rice (NU), em momentos diferentes, manifestaram a "satisfação" pelo processo das legislativas mas "recomendaram" que não se adie muito mais as presidenciais. Resta saber em que medida a próxima visita do presidente da UNITA, prevista para o início de 2010, poderá alterar este quadro, quando tudo aponta para a intenção da presidência de um adiamento das presidenciais por mais alguns anos.

Crescente desconfiança em relação a Moçambique e Guine-Bissau
A ideia que persiste nos meios militares e na Africom baseada em análises de algumas escolas militares, com influência sobre as embaixadas americanas no exterior, é de preocupação tanto em relação a Bissau como a Maputo por razões naturalmente diversas.

Por exemplo, a embaixadora Mary Carlin Yates, que exerce o cargo de comandante adjunta do Africom, manifestou recentemente desconfianças públicas em relação à capacidade dos dirigentes políticos e militares guineenses de porem em prática o processo de democratização das forcas armadas. Directas e bem contundentes. A nível mais discreto, os responsáveis da Africom têm manifestado o seu desagrado pelas políticas "terceiro--mundistas" do regime do Maputo, ou melhor, do presidente Guebuza. Isso reflecte-se nas relações entre a embaixada americana e o governo de Maputo.

O discurso contra a presença americana no Iraque, as boas relações comerciais com Teerão e as posições ambíguas em relação ao presidente Mugabe não são apreciadas. Como é vista com preocupação a eventualidade de uma crescente cooperação regional militar na zona do Oceano Índico, que seria liderada pela Índia e África do Sul.

Armando Guebuza está longe de ter feito a "reciclagem" levada a cabo de maneira muito inteligente por Eduardo dos Santos.

A política norte-americana no que concerne a Bissau passa pelo comando africano (Africom). São duas as prioridades: controlo e acompanhamento permanente da reforma militar "genuína". Apoio de militares norte-americanos em "training" de direcção e liderança militar.

A desconfiança cresceu com a recente divulgação pela administração americana do combate contra a droga (DEA) de que conseguiu fazer extraditar nos últimos dias para os Estados Unidos três cidadãos de países da África Ocidental, acusados de tráfico de droga e de participação em actos de terrorismo, com ligações à Al Qaeda, e envolveu, de novo, uma desconfiança em relação à Guiné.

De acordo com a informação prestada pelo departamento americano de combate à droga, estas detenções de três muçulmanos do Mali e os seus roteiros de viagem permitem estabelecer a ligação entre o tráfico de cocaína - que se faz com trânsito por países como a Guiné-Bissau e a Guiné Conacri, destinados aos mercados dos países desenvolvidos - e o financiamento de operações da Al Qaeda. As acusações ainda envolvem uma terceira vertente: a guerrilha colombiana, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que seria a estrutura que garantiria o abastecimento inicial da droga.

Ainda de acordo com as acusações elaboradas pelos americanos, a Al Qaeda utilizaria estes fundos para operações nos países do Magreb e ainda as acções na Mauritânia e no Mali.

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