Este ano, duas das últimas grandes possessões africanas que se transformaram em países, Moçambique e Angola, celebraram 35 anos de independência. Para o presidente de Cabo Verde, Pedro Pires, que lutou não só pela independência do próprio país como também participou da luta de Guiné Bissau, as nações africanas de língua portuguesa têm, como grande benefício desse processo de libertação, o Estado de Direito. “A vida após as independências não foi fácil, com muitos obstáculo e alguns conflitos”, afirmou o presidente, em visita a Moçambique nesta segunda–feira (15).
“Em fase de aperfeiçoamento ou já mais sólido, esse instrumento permite programar o futuro e ganhar muito mais, com avanço nos diversos domínios. O Estado de Direito nos permite ter muita esperança e garantir que vamos ganhar o desafio”, disse o líder cabo–verdense.
Nos países lusófonos, a independência demorou mais a chegar do que no restante da África. A ditadura portuguesa de Oliveira Salazar, que durou de 1933 a 1968, e que prosseguiu até 1974 sob o comando de Marcello Caetano, nunca abriu mão das chamadas províncias ultramarinas, empenhando–se em guerras para manter a posse dos territórios em Angola, Moçambique, Guiné Portuguesa (Guiné Bissau), Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Mas, tão logo a Revolução dos Cravos derrubou o governo totalitário, em 1974, os países africanos também ganharam liberdade política. Primeiro Guiné–Bissau, no mesmo ano, e os demais, em 1975.
Para estudiosos e protagonistas, a autonomia política ainda não se refletiu em liberdade plena, não só nos países mais populosos da lusofonia na África, mas no continente como um todo. “Livre significaria os países africanos serem efetivamente soberanos. Mas, no contexto atual, os Estados não conseguem decidir por si próprios os seus destinos”, analisou o historiador moçambicano Sérgio Maungue, investigador do Arquivo Histórico e professor de história e antropologia. “Usava–se o chavão do imperialismo; hoje fala–se de globalização. Mas, no fundo, consegue–se perceber que os propósitos são os mesmos: manter os países africanos ancorados ao sistema mundial, sob controle de determinados países”, completou.
O historiador ressaltou que a independência política foi o primeiro passo. “Visava, depois, a um desenvolvimento econômico, de serviços e intervenções nacionais. Mas o que se verifica agora é que os países africanos não têm conseguido a soberania que permite levar isso a cabo. Falta o componente econômico para consolidar a parte política já conseguida. Esse era um dos objetivos que levaram ao movimento de independências que se iniciou em 1960”.
O processo de ocupação territorial, exploração econômica e domínio político da África por nações européias (França, Reino Unido, Portugal, Holanda e Espanha) começou no século XV, na busca de novas rotas para o Oriente e de mais mercados produtores e consumidores. Quatro séculos depois, com a expansão do capitalismo industrial, países como Alemanha, Bélgica e Itália também se lançaram na corrida para ocupar o Continente Africano, aumentando a presença europeia. Em 1884, a Conferência de Berlim dividiu a África entre os europeus. Somente a Etiópia e a Libéria mantiveram–se independentes.
Como lembra Martin Meredith, no livro O Estado da África – uma história dos 50 anos de independência, os negociadores “frequentemente traçaram linhas retas sobre os mapas, levando pouco ou nada em consideração a miríade de monarquias tradicionais existentes na realidade”. Metade das novas fronteiras impostas era composta de desenhos geométricos perfeitos, separando etnias em nações diferentes ou reunindo tribos inimigas em um único país.
Terminada a 2ª Guerra Mundial (1939–45), a difusão de ideias democráticas e o nacionalismo, influenciados pelas disputas locais e pela Guerra Fria, levaram aos processos de independência no continente. Em 1950, somente Egito e África do Sul tinham se libertado de seus colonizadores. Dez anos depois, 17 países conseguiram autonomia em um único ano (1960): Alto Volta (hoje Burkina Faso), Camarões, Costa do Marfim, Congo, Daomé (hoje Benin), Gabão, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, República Centro–Africana, Madagascar, Senegal, Somália, Chade, Togo e República Democrática do Congo (ex–Zaire).
Os últimos países africanos a alcançar a independência, na década de 1990, libertaram–se não mais de Estados europeus, mas de países africanos: a Namíbia separou–se da África do Sul e a Eritreia, da Etiópia. Mas, até hoje, ainda há territórios ocupados por europeus, como as possessões espanholas no Marrocos e as ilhas de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, do Reino Unido. Já as ilhas Reunião e Mayotte decidiram, em consulta popular, se manter sob controle da França.
O camaronês Achille Mbembe, professor de história e ciência política da Universidade de Witvatersrand, em Joanesburgo (África do Sul), publicou este ano o livro Saindo da grande escuridão – Ensaio sobre a África descolonizada. Nele, defende que a descolonização é um processo inalcançado, “fictício” como a democratização. De acordo com o acadêmico, o adversário não é mais externo; é a desigualdade e a estrutura de exploração que permanecem intactas no Continente Africano.
Da Agência Brasil
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