Líderes da comunidade islâmica da Guiné-Bissau vão pronunciar na quarta-feira, no Parlamento do país, uma Fatwa (decreto religioso) proibindo a prática da excisão, disse hoje à Lusa Fatumata Djau Baldé, ativista dos Direitos Humanos.
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"A Fatwa é uma lei, um decreto islâmico que é produzido nas comunidades islâmicas. Já que na Guiné-Bissau essa prática (a excisão) é justificada como sendo uma recomendação do Islão, então os líderes islâmicos disseram que quem quiser praticar esse ato pode continuar a fazê-lo mas não em nome do Islão", afirmou Fatumata Djau Baldé.
A presidente do Comité Nacional de Luta para o Abandono das Práticas Nefastas, um consórcio de 18 ONG (organizações não-governamentais) nacionais e estrangeiras, falava à Lusa a propósito do Dia Internacional da Tolerância Zero quanto à mutilação genital feminina, que se assinala na quarta-feira.
Na Guiné-Bissau, esse dia será comemorado em diversas zonas do país, mas o ato central será no Parlamento onde, sob a coordenação do Comité dirigido por Fatumata Baldé, vão estar presentes cerca de 200 imãs guineenses que irão pronunciar a Fatwa.
"São os próprios imãs que dizem que essa prática não é uma recomendação do islão, tanto que na comemoração amanhã (quarta-feira), do Dia Internacional da Tolerância Zero aqui na Guiné-Bissau, o ato central vai ser um encontro com cerca de 200 Imãs no Parlamento para a adoção de um Fatwa, interditando a prática da mutilação genital feminina nas comunidades islamizadas", precisou Djau Baldé.
A presidente do Comité referiu que o trabalho da sua organização junto dos líderes islâmicos, para que os próprios desaconselhem a prática da mutilação, "tem dado frutos" nos últimos anos.
"A situação não é aquela que nós queríamos, mas estamos num bom caminho. Há uns quatro, cinco anos, era difícil falar do assunto excisão, hoje em dia falamos desse tema nas mesquitas. Debatemos essa questão com os imãs a nível nacional", disse Baldé, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros guineense.
"Os líderes islâmicos disseram quem quiser praticar esse ato pode continuar a faze-lo mas não em nome do Islão, isto porque, apesar de o islão ter mencionado essa prática (nos livros) ela não é uma recomendação do Islão", observou Djau Baldé, realçando o valor simbólico da Fatwa.
A ser adotada, será a primeira vez que uma Fatwa é pronunciada na Guiné-Bissau, um Estado laico mas com uma comunidade muçulmana que representa 45 por cento da população. O animismo (crenças tradicionais) é praticado por 50 por cento da população, enquanto o cristianismo por apenas 5 por cento.
Em entrevista recente à agência Lusa, em Lisboa, a ex-ministra da Justiça Carmelita Pires alertou para “o hiato entre lei e prática” na Guiné-Bissau e para as “resistências” da comunidade que pratica a mutilação genital feminina no ritual do “fanado”.
“Gostaria que esta lei não fosse como muitas outras e que, do ponto de vista da sua aplicação, não caia em saco roto, o que, infelizmente, na Guiné tem acontecido muito”, vincou Carmelita Pires.
A ex-ministra da Justiça assinalou, por outro lado, que a aprovação, em outubro de 2011, da lei sobre mutilação genital feminina na Guiné-Bissau é reveladora de uma mudança, para a qual contribuiu igualmente “um trabalho muito sério das organizações não-governamentais no terreno e dos parceiros de desenvolvimento para os direitos das mulheres e crianças”.
Estima-se que 140 milhões de mulheres tenham sido submetidas à mutilação genital feminina e que três milhões de meninas estejam em risco anualmente. A prática, que causa lesões físicas e psíquicas graves e permanentes, é mantida em cerca de 30 países africanos, entre os quais a Guiné-Bissau, onde se estima que metade das mulheres sejam excisadas.
As Nações Unidas assinalam anualmente, a 06 de fevereiro, o Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina.
MB (SBR) // VM.
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