A lusofonia serve-se quente. Junta sabores, histórias e pessoas, numa viagem de degustação por Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Guiné Bissau e Angola. Acabado de sair do ‘forno’, pela editora Marcador, é assim O Tempero da Morena, um «livro da autêntica cozinha africana», como se lê na sua capa.
Eunice Meneses e Sónia Trigueirão são as cozinheiras. «A Eunice preparou a mesa, emprestou a sua história de vida e as suas recordações. A Sónia começou a conversa», escrevem em nota introdutória. E os ingredientes são simples de descrever. Uma enorme paixão pela cozinha, da parte de Eunice, e o amor pela escrita, da parte de Sónia. A mistura resultou num livro que os olhos comem do princípio ao fim, com receitas típicas dos países africanos ali retratados. Pelo meio, há histórias de pessoas, memórias de anónimos que emprestam experiências gastronómicas e culturais a cada um dos fascículos, à cozinha africana de que são originários.
«Tudo começou com a proposta da Sónia. Perguntou-me se queria fazer um livro de cozinha. Por que não? Não teria feito um livro de qualquer outro tema, mas com este sentia-me perfeitamente à-vontade. Sempre tive uma paixão enorme pela cozinha. Devo ter uns 200 livros de culinária», conta Eunice. Como os olhos também comem, aprimoraram-se os detalhes e a sua cozinha serviu primeiro de laboratório para as novas experiências gastronómicas e depois de estúdio fotográfico a todos os pratos que ali foram confeccionados. De Cabo Verde chega-nos o afamado caldo de peixe, o cabrito com inhame, o pirão, a típica cachupa rica, o xerém, o doce de leite ou a cocada. Em São Tomé e Príncipe entramos no reino da banana, com o bolo, os sonhos, o angu ou o dito ‘fruto frito’ à moda de São Tomé. Há ainda o calulu de peixe ou as papas de farinha de mandioca. De Moçambique sugerem-se pudim de peixe, mimini, chima de arroz, camarões com leite de coco, galinha com manga, caril de amendoim ou bolo de castanha-de-caju. Chegados à Guiné Bissau temos o bolo de mancarra, o abacate recheado com atum, a moqueca de peixe, o chabéu de galinha ou o sigá de carne de porco. Em Angola apresentam-se outros pratos típicos, como feijão de óleo de palma, muamba de galinha, funje, fubá, camarão com quiabos, mufete ou bolo de fubá.
É uma viagem longa, com muitos quilómetros, à mesa da lusofonia, mas sem sair da bancada da cozinha de Eunice. «É uma viagem que começa na cozinha da casa dos meus pais, vai-me levando aos países, às pessoas que são o veículo de transmissão para chegar às terras que não conheço. É que de África só conheço Cabo Verde», relata Eunice Meneses.
Filha da lenda brasileira do futebol português, Osvaldo Silva, que brilhou na década de 60 no Sporting, Eunice sempre foi uma ponta-de-lança na cozinha, influência que foi buscar à mãe e aos diferentes sabores que lhe chegavam à mesa desde a infância. «A minha mãe casou com um brasileiro e a minha tia com um moçambicano. Desde sempre que estive habituada a uma mescla de sabores, sempre comemos coisas estranhas lá em casa. Muitas das minhas recordações mais antigas estão associadas aos aromas e sabores da cozinha da casa dos meus pais. E também devido ao facto de o meu pai ser profissional de futebol, tive oportunidade de conhecer pessoas de várias nacionalidades, principalmente de África. No Natal, por exemplo, estávamos sempre à espera de ver quem é que o meu pai trazia para a ceia, se africanos ou brasileiros», recorda.
Conhecido como o ‘vendaval’ que passou por Alvalade, Osvaldo Silva era um homem calmo, pai pacato e sereno. A única vez que a filha o viu «fora de si» foi por culpa dos seus dotes culinários. Era jovem e estava a fazer um bolo, para o qual precisava de vinho do Porto. «Não hesitei e abri uma garrafa com mais de 100 anos, oferecida ao meu pai pelo FC_Porto. Era a que estava mais à mão». O acto valeu a Eunice um enorme raspanete, mas nada que lhe tirasse o encanto pelo mundo da cozinha.
Ainda hoje, gosta de receber pessoas em casa, herança da educação. É uma anfitriã de mão-cheia que adora comunicar pela comida. «Cada prato tem muito da própria pessoa. A cozinha tem muito a ver com os sentimentos», afirma Eunice. O Tempero da Morena não é mais do que isso, um livro sobre sentimentos africanos que se vêem e que se comem. «Mas também um livro sobre as pessoas. Este livro são as pessoas», como Sónia Trigueirão disse na apresentação do livro.
Tags: Culinária
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