sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Guiné-Bissau: No país do narcotráfico do (Jornal Expresso das Ilhas)

24-10-2012


"Como a cocaína transformou uma pequena nação Africana" é um olhar da Time sobre o problema do narcotráfico e consumo de droga na Guiné-Bissau, publicado este mês, antes dos acontecimentos do passado domingo. A revista norte-americana aponta como o país se tornou uma base para o tráfico de cocaína entre a América Latina e Europa, como o consumo de crack se instalou e como as autoridades parecem impotentes para combater o fenómeno.

"Há sete anos atrás, quase ninguém na Guiné-Bissau poderia imaginar que apenas um grama de um pó branco com aparência inofensiva pode valer mais do que seu salário médio mensal".

A Time relata uma história passada na aldeia de Biombo, em 2005. Os habitantes encontraram centenas de pacotes que con­tinham um pó branco, que deram à costa quando um navio de carga, de aparência simples, encalhou ao tentar chegar a terra. Alguns aldeões, conta a revista, pensaram tratar-se de Glutamato monossódico (MSG) e usaram o pó nos seus molhos de cozinha. Um homem usou-o como cal para cobrir a casa. Muita gente pensou tratar-se de fertilizante, mas as dúvidas surgiram quando, em vez de revigorar as plantas, o pó parecia estar a matá-las. Coube a um homem, guineense, que havia sido deportado da Europa, perceber que o pó era na realidade cocaína. Quando esse homem viu cabaças cheias de produto, começou a comprá-lo por alguns dólares o quilo, e a enviá-lo para Bissau.

Entretanto, uma das moradores da aldeia, conhecida pelo nome de Joy, tele­fonou para a rádio Cidade da Guiné-Bis­sau FM, contou-lhes a história dos sacos de pó e pediu-lhes que contactassem o Ministério da Agricultura. Foi então que um grupo de nigerianos chegou à aldeia e começou a tentar tomar posse de toda a substância que restava.

Só meses depois da descoberta do pó é que a população e a polícia locais deram conta do que de facto se estava a passar: estavam no meio de uma nova rota de tráfico de droga entre a América Latina e a Europa.

Em 2004-05, conta a Time, os cartéis de droga da América latina aperceberam-se que o mercado norte-americano estava saturado e voltaram as suas atenções para a Europa.

Hoje, os EUA estimam que 30 tonela­das de cocaína passem anualmente pela Guiné-Bissau, numa rota que atravessa o Atlântico.

Na Guiné-Bissau, um dos países mais pobres do mundo, e um dos mais pe­quenos (com uma população de apenas 1,6 milhões) "a droga permeia a nação inteira, da elite militar e política, que facilita a sua passagem, aos mais pobres e vulneráveis, que estão a desenvolver uma dependência crescente", diz a Time.

Há sinais evidentes de tráfico - como os carros caríssimos que se vêem nas ruas e um jacto de traficantes abandonado no aeroporto-, mas o negócio continua a ser feito em silêncio.

Malam, 35 anos, traficante internacio­nal, revelou à Time que tem impunidade total devido às suas relações com um ex-presidente. "A polícia é inútil. Eles estão nos bolsos de todos", diz.

Ele próprio consome algum do seu produto e considera-se sortudo. Os guineenses mais jovens e mais pobres consomem um derivante da cocaína mais barato e mais viciante: o crack.

Dormem em grupos nas ruas, e con­somem crack por menos de um dólar por dose.

Ninguém se aproxima deles, nem sequer a polícia, porque estão a "tornar-se cada vez mais perigosos", conta Peter Correia, um profissional de saúde do governo.

Há apenas uma clínica em toda a Guiné-Bissau que trata problemas de dependência de droga. O centro de saúde mental de Quinhámel que fica situado a uma hora de distância da capital, Bissau.

José Belenta chegou ao centro há nove meses. Antes de ficar viciado em crack, tinha sido carpinteiro. Hoje, já reabilitado, trabalha como voluntário nesta clínica que é gerida por um pastor evangélico.

Muitas histórias são parecidas à sua. Tudo começou em 2009. Alguns amigos seus tinham dinheiro e ele ajudava-os a transportar as drogas, conta. Belenta estima que, neste momento, 20 a 30% dos jovens de Bissau estejam a consumir crack.

Também um representante da Orga­nização Mundial da Saúde, que não quis ser identificado, afirma que o valor será próximo do que Belenta aponta. Não há provas, mas o número de pessoas com doenças mentais tem aumentado o que, considera essa fonte, mostra um aumento do uso de drogas.

Um trabalhador da saúde europeu, que também solicitou anonimato, acres­centou que são necessários médicos e enfermeiros especializados na área da psiquiatria.

No entanto, conforme frisa o artigo, neste momento há poucas esperança para que tal aconteça. As ajudas internacionais foram cortadas depois do golpe de esta­do de Abril - "que muitos observadores acreditam ter sido, pelo menos em parte, motivado por uma luta relacionada com o tráfico de drogas".

O Governo não admitiu que os 60 pacientes admitidos no hospital Na­cional Simão Mendes, em Setembro, com diarreia severa tinham cólera. E o problema da cocaína, "um negócio do qual o Estado é cúmplice, é um assunto ainda mais rodeado de tabu. "Ninguém vai falar sobre isso. Assim sendo, como o poderemos resolver?", questiona Correia, o profissional de saúde. "Não há controle estatal sobre isso".

Num país onde a média de idade ronda os 19 anos, "se a juventude entrar nesse fenómeno, nunca mais conseguire­mos sair dele", avalia, por seu lado, Allen Yero Embalo, um antigo apresentador de rádio.

Afinal, o pó branco tornou-se um fertilizante, diz. A corrupção política e a instabilidade social que trouxe, explica à Time, "é um fertilizante para os cri­minosos".

Foto: Marco Vernaschi para a Time

24-10-2012, 22:56:42
Expresso das Ilhas

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