Bissau, 24 out (Lusa) - Os 150 dias do Governo de transição da Guiné-Bissau foram "extremamente difíceis", mas foi possível pagar salários com receitas conseguidas na capital, disse hoje à Lusa o porta-voz do executivo, que avisou: sem dinheiro não se fazem eleições.
O Governo de transição, na sequência do golpe de Estado que a 12 de abril derrubou o Governo de Carlos Gomes Júnior, foi anunciado a 22 de maio. Cinco meses depois, num balanço à Agência Lusa, o porta-voz do executivo, Fernando Vaz, fala de dificuldades, mas deixou também um rol de críticas ao anterior Governo.
Dificuldades em conseguir dinheiro para pagar os salários da função pública, aliadas a uma "conjuntura não favorável na exportação" do principal produto do país, o caju, à suspensão do acordo de pescas com a União Europeia e a "uma desaceleração da atividade económica".
"Mesmo assim, conseguimos honrar os compromissos com os salários", salientou, frisando que as receitas são provenientes apenas de Bissau, "porque as receitas do resto do país estão hipotecadas com dívidas que Carlos Gomes Júnior deixou na banca".
Mas as maiores acusações a Carlos Gomes Júnior ainda estavam para vir: "Encontrámos contratos assinados que são autênticos crimes a este país", disse, referindo-se aos contratos de exploração de bauxite, na zona sul do país, e de fosfatos, na zona de Farim, a norte.
"Os governos anteriores viviam numa teia enorme de corrupção e de banditismo político e de Estado. O que aconteceu foi que guineenses foram capazes de hipotecar o nosso bauxite, dando 90 por cento aos angolanos e deixando 10 por cento para o país", acusou.
De acordo com o responsável, o contrato assinado com a Bauxite Angola envolvia um investimento da empresa de três mil milhões de dólares (2,3 mil milhões de euros) em infraestruturas do porto de Buba e em caminhos-de-ferro e na própria mineração.
"No contrato de 25 anos, seis anos depois a Guiné-Bissau pagava os três mil milhões com a bauxite e ficava 19 anos a receber 10 por cento", disse, acrescentando que o contrato está a ser renegociado com a empresa angolana e que se não for possível chegar a um acordo "há muita gente que quer a bauxite", de chineses a canadianos ou norte-americanos.
Em relação aos fosfatos, a Guiné-Bissau só recebia dois por cento, disse Fernando Vaz, adiantando que também neste caso está a haver negociações.
Críticas à parte, Fernando Vaz queixou-se da falta de dinheiro e avisou que sem dinheiro não é possível fazer eleições.
"Não houve nenhuma eleição financiada internamente, foram sempre financiadas pelos parceiros de cooperação. Neste momento, temos a União Europeia que não nos reconhece, temos a União Africana que não nos reconhece, temos uma série de países que não nos reconhece e que estão por fora a exigir que façamos eleições a tempo e horas. Ninguém disse que vai dar dinheiro a não ser a CEDEAO, mas a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) não pode financiar tudo", disse.
Segundo o ministro, acabaram esta semana os trabalhos de cartografia do país e é necessário agora lançar o concurso para se fazer o recenseamento biométrico. "Para isso, é preciso dinheiro, temos os americanos que nos prometeram e esperamos que nos apoiem para tentar fazer (as eleições) dentro do ano, mas não havendo condições não podemos fazer milagres e a comunidade internacional tem de entender isso, não é só pôr-se na posição de exigir. A realidade é esta e eles conhecem-na e se a quiserem ignorar o problema é deles", disse.
Sobre a greve dos professores, que decorre há mais de um mês, Fernando Vaz disse ter sido criada uma comissão chefiada pelo ministro das Finanças para dialogar com os sindicatos e adiantou que "as negociações estão no bom caminho", admitindo que as aulas comecem em breve.
Também não correu bem a exportação do caju, visto que permanecem 36 mil toneladas por vender, reconheceu. Mas, segundo Fernando Vaz, o Governo "recebeu propostas que estão a ser negociadas".
E sobre o fornecimento de energia o ministro disse acreditar que o Governo de transição vai conseguir resolver "um problema que o PAIGC (partido no poder até 12 de abril) não resolveu em 40 anos". Neste momento, disse, estão instalados sete megawatts e na semana passada o Governo assinou um contrato para a construção de uma central de energia solar que chegará, por fases, aos 10 megawatts.
Fernando Vaz garantiu que o Governo tem feito uma gestão de rigor e que vai continuar a pagar ordenados até ao final do mandato. E diz: "é difícil de gerir sem nenhuma ajuda externa, tirando a ajuda que a Nigéria deu, de 10 milhões de dólares, que representam dois meses de ordenados".
Fonte: Lusa
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