obviamente, preocupado com a actual crise política na Guiné-
Bissau, mais uma de tantas, e pediu aos diferentes órgãos de
soberania, claro, o que parece ser quase impossível: o diálogo e
o consenso na resolução das suas divergências.
Diálogo e consenso são coisas de que normalmente os políticos
guineenses se têm mostrado incapazes, desde os tempos em
que alguns guerrilheiros preferiram facilitar a vida às
autoridades coloniais a terem um diálogo sério com Amílcar
Cabral sobre as divergências existências quanto à melhor
forma de a Guiné se poder tornar independente.
Diálogo foi o que faltou ao relacionamento do primeiro
comissário (primeiro-ministro) João Bernardo Vieira, "Nino",
com o Presidente Luís Cabral, tendo preferido derrubá-lo e
forçá-lo ao exílio.
Diálogo foi o que faltou a "Nino", já depois de ter chegado à
chefia do Estado, com o primeiro-ministro Victor Saúde Maria,
que mandou colocar em prisão domiciliária.
Diálogo foi o que faltou ao brigadeiro Ansumane Mané para se
procurar entender com "Nino", sem a necessidade de se colocar
à frente de uma Junta Militar e de fazer largos meses de guerra
a um Presidente que, para tentar sobreviver, pediu a ajuda do
Senegal e da República da Guiné.
Estes são apenas alguns dos múltiplos exemplos das ocasiões
em que os guineenses não souberam dialogar, antes avançando
para o achincalhamento, para a traição e para outras práticas
muito pouco democráticas.
Vem-nos agora dizer o antigo Presidente timorense José
Ramos-Horta, que já representou em Bissau o secretário-geral
das Nações Unidas, que a crise resulta "de uma Constituição
que foi cozinhada em Portugal, sem qualquer consideração à
realidade social da Guiné-Bissau, mas encomendada e
absorvida na Guiné-Bissau, logo a seguir ao derrube do
Presidente Luis Cabral".
A partir desse primeiro golpe, o de "Nino" Vieira contra Luís
Cabral, a Guiné-Bissau nunca mais conheceu paz. Mas, como o
próprio Ramos-Horta foi capaz de reconhecer, esse modelo
constitucional não desculpa tudo.
Claro que não desculpa, pois que já no tempo da luta armada
havia fortes conflitos, com certos combatentes mais
interessados numa Guiné que fosse só para negros do que em
trabalhar com os comandantes cabo-verdianos que se haviam
prestado a estar com eles numa causa comum.
O mal é muito antigo e tem algo a ver, conforme já o cheguei a
sublinhar, com o facto de não haver muito mais gente
alfabetizada, para se poder alargar o leque das escolhas
possíveis para a governação do frágil país.
A falta de um número maior de quadros e de cidadãos
devidamente letrados, que não se deixassem arrastar em
aventuras, sejam elas conduzidas por caudilhos militares ou
civis, poderá explicar a agitação quase permanente que se vive
na Guiné-Bissau, uma terra que devidamente aproveitada até
dava para todos viverem de uma forma aceitável.
Como o regime colonial não teve o cuidado de alfabetizar 15
ou 20 por cento da população que fosse, e como nas primeiras
décadas da independência não se generalizou a alfabetização,
que deveria ter sido em massa, chegamos a esta altura da
História com um grande défice de cultura cívica.
Ainda há muitos guineenses a pensar, em primeiro lugar,
como balantas, manjacos ou mandingas, e não como cidadãos
de um país novo que importa levar para a frente, recorrendo
aos múltiplos recursos naturais de que dispõe, como o petróleo,
o ouro, os fosfatos e as bauxites.
Só assim se explica, pela ausência de 100 ou 200 bons políticos,
credíveis, formados em devido tempo, e não à pressa, que
tenhamos na Presidência da República da Guiné-Bissau um
senhor que não é capaz de estabelecer consensos com a
Assembleia Nacional Popular nem com a direcção dos
principais partidos políticos.
Quando o Presidente José Mário Vaz demitiu o primeiroministro
Domingos Simões Pereira e foi chamar para o seu
lugar um polémico indivíduo chamado Baciro Djá ficou
patente que este deveria ter muita dificuldade em constituir
equipa, à margem das pessoas que nos últimos dois ou três
anos já têm passado pelo Governo.
Apertado, isolado, temendo pela vida, bem poderá José Mário
Vaz solicitar ao seu vizinho setentrional, o Senegal, que lhe
envie tropas de elite, a protegê-lo a ele e ao seu novo e quiçá
efémero primeiro-ministro.
Não é assim que se resolvem as situações, alheando-se do
sentimento da maioria da população e pedindo a alguns
estrangeiros que nos protejam, com a eventual promessa de
que também nós iremos proteger os seus interesses,
nomeadamente na exploração de recursos nas águas que nos
são comuns.
Se José Mário Vaz e Baciro Djá só conseguirem ficar nos seus
lugares sob a protecção de uns quantos comandos senegaleses,
muito mal vai a Guiné-Bissau, uma vez mais. E de nada lhe
servirão os muitos apoios que lhe foram prometidos durante a
mesa redonda de Bruxelas.
Teria sido tudo em vão, tanto o afastamento dos militares
golpistas como as eleições do ano passado e a tão elogiada mesa
redonda. Tudo fogo fátuo. Num território onde a crise parece
ser a forma permanente de vida, só aqui e ali intervalada por
uns ténues lampejos de esperança.
É esta a triste realidade!
*Jorge Heitor, que na adolescência tirou um Curso de Estudos
Ultramarinos, trabalhou durante 25 anosem agência noticiosa
e depois 21 no jornal PÚBLICO, tendo passado alguns períodos
da sua vida em Moçambique, na Guiné-Bissau eem Angola.
Também fez reportagensem Cabo Verde,em São Tomée
Príncipe, na África do Sul, na Zâmbia, na Nigéria eem
Marrocos. Actualmenteécolaborador da revista comboniana
Além-Mare da revista moçambicana Prestígio
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